quinta-feira, 7 de novembro de 2019

O Palhaço e o Profeta: Uma indefinição vocacional e as suas graves consequências.



Costumamos lamentar, hoje em dia, que os ministros não sabem pregar; mas não é igualmente verdadeiro que nossas congregações não sabem ouvir”[1]
J.I. Packer

Certa vez, um circo se instalou próximo de uma cidadezinha dinamarquesa. Este circo pegou fogo. O proprietário do circo vendo o perigo do fogo se alastrar e atingir a cidade, mandou o palhaço, que já estava vestido a caráter, pedir ajuda naquela cidade a fim de apagar o fogo, falando do perigo iminente. Mas, inútil foi todo o esforço do palhaço para convencer os seus ouvintes. Os aldeões riam e aplaudiam o palhaço entendendo ser esta uma brilhante estratégia para fazê-los participar do espetáculo. Quanto mais o palhaço falava, gritava e chorava, insistindo em seu apelo, mais o povo ria e aplaudia. O fogo se propagou pelo campo seco, atingiu a cidade e esta foi destruída.[1]
     De forma semelhante, temos muitas vezes apresentado uma mensagem incompreensível aos nossos ouvintes, talvez porque ela também seja incompreensível a nós.
     As pessoas se acostumaram a nos ouvir brincar e baratear tanto as coisas sagradas, que já não conseguem descobrir o sagrado em nossas brincadeiras. Alguns pregam como se estivessem no picadeiro. A nossa mensagem parece ser feita de palha, como as vestes dos palhaços eram preenchidas originariamente.
     Por outro lado, nossos ouvintes, por não perceberem a diferença entre o propósito de cada função, comentem uma falsidade ideológica-vocacional. Assim, o picadeiro (afeito ao palhaço) e o púlpito (afeito ao profeta), se intercambiam. Esse comportamento mutante, seria até tolerável por parte do palhaço, reforçado por um aplauso, por vezes, literal, quase litúrgico.
     Deste modo, a profecia (pregação) torna-se motivo de simples gostar ou não gostar e o circo perde um de seus prováveis talentosos componentes. Assim, sem nos darmos conta, estamos compactuando com a indiferença de nossos ouvintes, que, de certa forma, estão “cansados” da palavra “Evangelho”, sem que na realidade, nunca tenham sido ensinados a respeito do Evangelho de Cristo.
     Nesse caso, a avaliação da mensagem pregada fica restrita ao gostar ou não do ouvinte. Se gostei foi boa, se não, é ruim. Criamos uma categoria arbitrária e solitária do que de fato ou pretensamente fato é verdadeiro ou não a partir do gosto, como se este também não fosse afetado pelas consequências do pecado. Na realidade, o gostar ou não deve estar subordinado ao exame das Escrituras (At 17.11). Procedendo como os bereanos, examinando as Escrituras, descobriremos, para surpresa nossa, o quão o nosso gosto pode ser pecaminoso e inconsequente em muitas situações.
     O Evangelho é uma mensagem acerca de Deus – da sua Glória e de Seus atos salvadores -; acerca do homem – do seu pecado e miséria -; acerca da salvação e da condenação condicionada à submissão ou não a Cristo como Senhor de sua vida. Essa mensagem que envolve uma decisão na história, ultrapassa a história, visto ter valor eterno. Portanto, não podemos brincar com ela, não podemos fazer testes: estamos falando de vida e morte eternas (Jo 3.16-18).[2]
      Albert Martin apresenta uma crítica pertinente:
O esforço desnatural de certos pregadores para serem “contadores de piadas”, entre a nossa gente, constitui uma tendência que precisa acabar. A transição de um palhaço para um profeta, é uma metamorfose extremamente difícil.[3]
     O mundo por sua vez, deseja ansiosamente ouvir, porém, não a Palavra de Deus (1Jo 4.5). Como há falsos pregadores e falsos mestres, é necessário provar o que está sendo proclamado para ver se o seu conteúdo se coaduna com a Palavra de Deus (At 17.11,12/1Jo 4.1-6).
     No entanto, neste período de grandes e graves transformações, torna-se evidente que os homens, de forma cada vez mais veemente, querem ouvir mais o reflexo de seus desejos e pensamentos, a homologação de suas práticas. Assim sendo, a palavra que deveria ser profética, tende com demasiada frequência – mesmo assinando o seu obituário – a se tornar apenas algo apetecível ao público alvo, aos seus valores e devaneios, ou, então, nós pregadores, somos tentados a usar de nossa eloquência para compartilhar generalidades da semana, sempre, é claro, com uma alusão bíblica aqui ou ali, para justificar a nossa pregação. O fato é que uma geração incrédula, é sempre acintosamente crítica para com a palavra profética.
     Parece-me correto o comentário de Vincent (1834-1922) quando declara que: “A demanda gera o suprimento. Os ouvintes convidam e moldam os seus próprios pregadores. Se as pessoas desejam um bezerro para adorar, o ministro que fabrica bezerros logo é encontrado”.[4]
     Portanto, é preciso atenção redobrada para não cairmos nesta armadilha já que não é difícil confundir os efeitos de uma mensagem pelo conteúdo do que anunciamos: A proclamação cristã deve ser avaliada primeiramente pelo seu conteúdo, não simplesmente pelo seu aparente resultado. O que Deus exige de nós é fidelidade. Os resultados estão nas mãos de Deus porque, de fato, pertencem a Deus.
     Iain Murray está correto ao afirmar:
O crescimento espiritual na graça de Cristo vem em primeiro lugar. Onde esse crescimento é menosprezado em troca da busca de resultados, pode haver sucesso, mas será de pouca duração e, no final, diminuirá a eficácia genuína da Igreja. A dependência de número de membros ou a preocupação com números frequentemente tem se confirmado como uma armadilha para a igreja.[5]
     Evangelizar é declarar o poder de Deus, que transforma os homens, unindo-os a si, preservando-os até o fim.
     Imaginem um jovem entre centenas de outros, ansiosamente procurando seu nome nas listas afixadas nas paredes na universidade a fim de saber se foi aprovado ou não no vestibular. De repente surge um amigo com um sorriso largo e com os braços abertos, dizendo: “parabéns, você foi aprovado”. O jovem dá-lhe um abraço apertado, pula, grita, ri, chora, comemora… Depois de alguns minutos de euforia, aquele “amigo” diz: “É brincadeira; seu nome não consta entre os aprovados”. Se você fosse aquele vestibulando, como reagiria? Pense nisto: Se você corretamente não admite brincadeiras com coisas sérias, o Evangelho, que envolve vida e morte eternas seria passível de brincadeiras, de gracejos? A pregação é assunto para profetas, não para palhaços. As vocações são diferentes. Pensemos nisso.
 
Maringá, 10 de outubro de 2019

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

[1] Esta parábola é contada por Kierkegaard (1813-1855) e aplicada nas obras de Harvey Cox, (A Cidade do Homem, 2. ed.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1971, p. 270) e J. Ratzinger (Introdução ao Cristianismo, São Paulo: Herder, 1970, p. 7-8). Todavia a aplicação que ambos fazem é distinta uma da outra. A que faço é diferente da de ambos.
[2]“Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele. Quem nele crê não é julgado; o que não crê já está julgado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus” (Jo 3.16-18).
[3] Albert N. Martin, O Que há de errado com a pregação de hoje? São Paulo: Fiel, (s.d.), p. 23. Mais recentemente escreveu Lawson: “Esse tipo de pregação nominal satisfaz aos ouvintes por substituir a exposição bíblica por entretenimento. Substitui a teologia por teatro. Oferece avaliações saudáveis no lugar da sã doutrina. Nesta mudança infeliz, o drama da redenção dá lugar a simples apresentações teatrais. Essa pregação desprezível tem transformado muitos púlpitos em um palco de fim de semana para atores que se mascaram de pregadores” (Steven J.  Lawson, O tipo de pregação que Deus abençoa,  São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2013, p. 37).
[4] Marvin R. Vincent, Word Studies in the New Testament,  Peabody, Massachusetts: Hendrickson  Publishers, (s.d),v. 4, (2Tm 4.3), p. 321.
[5]Iain Murray, A Igreja: Crescimento e Sucesso: In: Fé para Hoje,São José dos Campos, SP.: Fiel, nº 6, 2000, p. 27.

[1]J.I. Packer, Entre os gigantes de Deus: Uma visão puritana da vida cristã,São José dos Campos, SP.: FIEL, 1996, p. 275

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