sábado, 25 de julho de 2020

Alzheimer, o Cruel


Chegou assim, sorrateiro.
Um esquecimento aqui. Uma confusão ali.
Vieram dores. Um emagrecimento absurdo.
Recuperação.
Depois, vieram as reações que não entendíamos. Agressividade que não fazia parte de sua vida.
Então, o diagnóstico: Demência vascular e Alzheimer.
Não, pensamos, isso não acontece conosco. Não na nossa família.
Não sabemos como agir.
Minha mãe? De jeito nenhum. Uma mulher que nos ensinou o verdadeiro sentido do cristianismo? Doação. Amor. Perdão. Bondade. Misericórdia. E tantas outras coisas.
Não pode ser. Não sabemos como agir. Nunca pensamos que passaríamos por isso. São coisas que acontecem com os outros. Não em nossa família.
Não fomos preparados. Não estamos preparados.
E quando ela não souber mais quem é? Não souber meu nome? Me confundir com alguém? Não vou resistir. Vou morrer.
Não estou preparada. Como passar por isso?
Mas a vida não nos espera. Ela acontece.
E nem sempre é como queremos.
Chegou sorrateiro. E foi se infiltrando em tudo. Virou parte da rotina. Do dia a dia.
Ouvindo coisas absurdas. E se escondendo no banheiro. Para chorar.
E aprendendo. E resistindo. E ficando forte. E sorrindo.
Ah, se não fosse o Senhor ao nosso lado! Impossível sobreviver.
Hoje quase não me chama pelo nome.
Diz sempre que podemos esquecer tudo, menos o Senhor Jesus.
Às vezes sou a mãe dela, na maioria das vezes a irmã mais velha que dela cuidou, algumas raras vezes sou a filha.
Que me importa? Sei quem sou. Independente do nome pelo qual me chama, sei minha identidade. E independente do que ela lembra ou esqueceu, sei quem ela é. Sei sua identidade. E ela não será falsificada ou trocada. Por ninguém. Nem mesmo esse cruel Alzheimer.
E a vida segue.
Um remédio a mais. Uma tarefa acrescentada aqui, Outra ali.
Não escolhe mais a roupa. Esqueceu os cremes que sempre passou, diariamente. Agora precisa usar fralda. Demora minutos para se vestir. Muitas vezes não consegue se vestir. O banho, acompanhada.
Mãe, come. Mãe, levanta. Mãe, senta. Mãe, devagar. Mãe, se arruma. Mãe, a senhora está torta. Mãe, a senhora está caindo.
Acompanho sua descida. Procuro segurar em sua mão.
Às vezes, um degrau. Outras, vários de uma vez. E continua descendo. E eu, ajudando como posso.
Achei que não conseguiria. Não teria forças. Mas estamos descendo. Juntas. Não posso deixá-la sozinha nessa caminhada. Não quando ela sempre esteve comigo.
Muitas vezes sorrio, quando tenho vontade de chorar. E sento ao seu lado, quando tenho vontade de correr. E me vejo fazendo coisas que achava impossível até algum tempo atrás.
E a vida continua. Até quando? Não sei.
O Senhor da vida sabe. E Ele sempre é bom.
Aprendendo as lições. Uma internação após outra. UTI não me desespera mais. Nem andar de ambulância, até com a sirene ligada.
Encarando a realidade. Comprar fraldas. Protetores. E tantas coisinhas que não faziam parte do nosso universo.
Planejando o futuro. Para ser o melhor para ela. O menos dolorido.
Esperando sempre um beijo, um abraço e um sorriso.
Agora mais um degrau. O mais largo até agora.
Não sente mais fome. Ela que sempre comeu bem. E de tudo. E com preferências. Não, não quer mais comer.
E mais uma vez vai para o hospital. E continua sem querer comer. E toma soro. E coloca sonda. E arranca tudo. E não tem solução. Só uma: GTT. Nem sabia o que era isso. Bem, agora sabemos. E teremos mais coisas para aprender. E sobreviver. E viver.
Ele chegou, sorrateiro e foi ficando, fazendo parte da rotina, do dia a dia e do futuro. Com suas garras afiadas. Querendo nos envenenar. Mas nunca conseguirá apagar quem é minha mãe. Nem quem somos nós.
Todos que um dia a conheceram, sabem perfeitamente quem ela é. Sua identidade está nela, mesmo não se lembrando mais. E está em cada um de seus filhos, netos e bisnetas. Seus sobrinhos. Parentes. Amigos.
E assim será.
Até o dia em que o Mestre chamá-la para andar com Ele em Seu jardim.
Então, como Paulo ela poderá dizer: “Combati o bom combate, terminei a carreira, guardei a fé.” – 2 Timóteo 4.7
E suas sementes ficarão plantadas em nós. Para sempre.
“Mulher virtuosa, quem a achará? O seu valor ultrapassa os das mais finas joias.” – Provérbios 31.10.

CORONEL JOÃO DOURADO (1854-1927)

Alderi Souza de Matos João da Silva Dourado nasceu em Caetité, sul da Bahia, no dia 7 de janeiro de 1854. Era filho de João José da Silva Do...