sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Teologia bíblica de plantio de igrejas



Bosch[1] entende que a Igreja no final do primeiro século passou a ter uma clara compreensão da necessidade da ekklesia – igreja local – para o enraizamento do evangelho nas cidades, províncias e regiões mais distantes entre os gentios. Michael Green[2] destaca que houve uma mudança de percepção quanto à missão evangelística da Igreja logo no fim do primeiro século ao perceberem que Jerusalém deveria ser o berço do evangelho e não o centro do evangelho. Nascia o sentimento de que a Igreja de Cristo deveria se espalhar pelo mundo através de igrejas locais.

O apóstolo Paulo, mais do que qualquer outro, observou a necessidade de não apenas evangelizar as áreas distantes mas plantar ali igrejas locais que vivam Cristo e falem do Seu Nome. Paulo usa as expressões plantar (1 Co. 3:6-9; 9:7, 10 e 11), lançar alicerces (Rm. 15:20, 1 Co. 3:10) e dar a luz (1 Co. 4:15) ao se referir ao plantio de igrejas. Bowers defende que Paulo, ao afirmar que proclamou o evangelho de Cristo de forma completa (Rm. 15:19) se referia que igrejas haviam sido plantadas em toda aquela região. O’Brien, concordando com Bowers expressa que “proclamar o evangelho para Paulo não se resumia simplesmente à pregação inicial ou à colheita de alguns frutos. Incluía toda uma série de atividades ligadas ao amadurecimento e fortalecimento dos convertidos com o intuito de estabelecê-los em novas igrejas locais”.

Apesar da missão da Igreja, sua Vox Clamantis, não ter sido a ênfase da Reforma Protestante, certamente herdamos deste período a clara preocupação com a Palavra e convicção de que, somente através dela a Igreja de Cristo se enraizará entre um povo ou uma cidade. João Calvino enfatizava que “... onde quer que vejamos a Palavra de Deus pregada e ouvida em toda a sua pureza... não há dúvida de que existe ali uma Igreja de Deus[3]

O próprio termo para igreja no Novo Testamento - ekklesia - é composto pela preposição ek (para fora de) e a raiz kaleo (chamar) que literalmente poderia ser traduzido por “chamada para fora de”, dando-nos a idéia de uma comunidade dinâmica, crescente, local, não enraizada em si mesma ou com uma missão puramente interna. Obviamente o termo também está ligado a "agrupamento de indivíduos" e de certa forma a "instituição" porém em todo o N.T. adquire o conceito de "comunidade dos santos" e fora MT. 16:18 e 18:17 está ausente dos evangelhos aparecendo, porém, 23 vezes em Atos e mais de 100 vezes em todo o Novo Testamento.

Creio que não há forma mais duradoura de se estabelecer o evangelho em um bairro, cidade, clã ou tribo do que plantando uma igreja local, bíblica, viva, contextualizada e missionária.


De acordo com Van Rheenen plantar igrejas é a o ato de reproduzir comunidades de adoração que refletem o Reino de Deus no mundo através da proclamação do evangelho vivo. Donald MacGavran desenvolveu o estudo sobre crescimento de igrejas e logo depois Garrison o apresentou em forma de movimentos descritos como “um rápido e exponencial movimento de crescimento de igrejas nativas, plantando igrejas dentro de um povo específico, área ou segmento”.


Devido à diversidade de termos e definições há algumas limitações no estudo do assunto.


Uma destas limitações é o estigma normalmente ligado ao conceito de plantio de igrejas. É a abordagem pragmática. Como é um assunto freqüentemente associado à metodologia e processo de campo – dentro de um ponto de vista pragmático – somos levados a entender e avaliar plantio de igrejas baseados mais nos resultados do que em seus fundamentos teológicos. Conseqüentemente o que é bíblico e teologicamente evidente se torna menos importante do que aquilo que é funcional e pragmaticamente efetivo[4]. Estou convencido que todas as decisões missiológicas devem estar enraizadas em uma boa fundamentação bíblico-teológica se desejamos ser coerentes com a expressão do mandamento de Deus (At 2:42-47).

Uma segunda limitação ao estudar o assunto é aceitar o plantio de igrejas como sendo nada mais do que uma cadeia de soluções para as necessidades humanas. Chamarei de abordagem sociológica. E esta deve ser nossa crescente preocupação por vivermos em um contexto pós-cristão, pós-moderno e hedônico. Isto ocorre quando plantadores de igrejas tomam decisões baseadas puramente na avaliação e interpretação sociológica das necessidades humanas e não nas instruções das Escrituras. Neste caso os assuntos culturais e carências humanas, ao invés das Escrituras, determinam e flexibilizam a teologia a ser aplicada a certo grupo ou segmento. Vicedon afirma que somente um profundo conhecimento bíblico da natureza da Igreja (Ef. 1:23) irá capacitar plantadores de igrejas a terem atitudes enraizadas na Missio Dei e não na demanda da sociedade[5]. A defesa de um evangelho integral não deve ser confundida com o esquecimento dos fundamentos da teologia bíblica.

Uma terceira limitação é a abordagem eclesiológica, a qual está ligada à nossa compreensão da própria natureza da Igreja. Apesar de concordar com Bosch que “não é a Igreja de Deus que tem uma missão no mundo, mas sim o Deus da missão que tem uma Igreja no mundo” precisamos clarear o valor da Igreja em termos de identidade. Quando Dietrich Bonhoeffer escreveu que “a Igreja é Igreja apenas quando existe para outros”[6] creio que ele está parcialmente certo. Apesar da Igreja possuir um papel prioritário em termos de atuação missionária seu valor intrínseco, extramissão proclamadora, precisa ser reconhecido porque é o resultado do sacrifício de Jesus, e Jesus e a cruz são o centro do plano de Deus. Assim, apesar da Missão ser uma constante prioridade bíblica na vida da Igreja não devemos definir esta Igreja apenas a partir da proclamação do evangelho sob pena de nos tornarmos extremamente funcionalistas e utilitários. Adoração, doutrina, fidelidade, santidade, unidade e comunhão são também importantes aspectos que compõe a identidade da Igreja. Assim sendo, a Igreja não é um mecanismo primariamente desenhado para evangelizar pessoas, mas sim um instrumento para glorificar a Deus (Ef. 3:10), e a proclamação, evangelização, é uma de suas funções e resultado de sua existência. A ausência desta compreensão mais ampla tem gerado igrejas que competentemente espalham o evangelho mesmo não vivenciando este evangelho em sua vida diária. Igrejas evidentemente missionárias, mas sem o caráter de Jesus. Bíblicas apenas em uma fatia da vida cristã.

Esta compreensão eclesiológica, porém, não diminui a responsabilidade da Igreja perante o mandamento missionário de Cristo. Não podemos subestimar nossa vocação missionária de proclamar o evangelho a tempo e fora de tempo, enquanto é dia. A proclamação, apesar de não ser a única característica procurada por Deus em Sua Igreja, é possivelmente a mais urgente e vital para o mundo em trevas. A ausência deste sentimento na vida diária da Igreja é sintoma de enfermidade crônica espiritual e bíblica.

Tendo dito isto devemos compreender que Deus pode ser glorificado tanto em uma cruzada evangelística com um milhão de pessoas em Acra como em um culto doméstico em uma pequena igreja em Hayacucho (Rm. 16:25-27).

A clara diferença entre a evangelização e o plantio de igrejas é o propósito. No primeiro tencionamos apresentar Cristo a um indivíduo que poderá guardar para si o evangelho ou anunciá-lo a outros. No segundo apresentaremos Cristo a indivíduos em uma área definida de relacionamentos que se fortalecerão em uma comunidade a qual deve ser capaz de prover ensino da Palavra, ambiente para a oração e comunhão, e levá-los a apresentar Jesus a outros. Igrejas plantam igrejas.

O apóstolo Paulo, além de todas suas iniciativas evangelísticas pessoais jamais deixou dúvida que a estratégia para a evangelização de um povo, cidade ou bairro, seria plenamente atingida apenas através do plantio de igrejas locais bíblicas, vivas, auto-sustentáveis, autogovernáveis e missionárias.

A igreja plantada mais rapidamente em todo o Novo Testamento foi plantada por Paulo em Tessalônica. Ali o apóstolo pregava a Palavra aos sábados nas sinagogas e durante a semana na praça, e o fez durante 3 semanas nascendo então uma igreja local. Em 1º Tess. 1:5 Paulo nos diz que o nosso evangelho não chegou até vós tão somente em palavra (logia, palavra humana) mas sobretudo em poder (dinamis, poder de Deus), no Espírito Santo e em plena convicção (pleroforia, convicção de que lidamos com a verdade).

Assim, percebemos que a igreja nascera em Tessalônica pelo poder de Deus, pelo Espírito Santo e pela plena convicção. O poder de Deus manifesta o próprio Deus e Sua vontade. Sem o poder de Deus não haveria transformação de vida e sociedade. Sem o poder de Deus a Palavra não seria compreendida. Sem o poder de Deus todo o esforço para plantar igrejas seria reduzido a formulações estratégicas de ajuntamento e convencimento. O Espírito Santo é o segundo elemento relatado por Paulo no plantar da igreja em Tessalônica. Sua função é clara na conversão dos perdidos, em conduzir o homem à convicção de que é pecador e está perdido. Em despertar neste homem a sede pelo evangelho e atraí-lo a Jesus. Sem o Espírito podemos compreender que somos pecadores mas somente o Espírito nos dá convicção de que estamos perdidos, e necessitamos de Deus. Sem a ação do Espírito Santo a evangelização não passaria de proposta humana, explicações espirituais, palavras lançadas ao vento, sem público, sem conversões, sem atração a Cristo. A clara convicção é o terceiro elemento citado por Paulo no plantar da igreja em Tessalônica. Trata da certeza de que lidamos com a verdade. É a verdade de Deus. O plantio de igrejas é um processo profundamente associado à verdade de Deus, à Sua Palavra. Não necessitamos, ou podemos, utilizar expediente puramente humano para que igrejas sejam plantadas. O marketing, as estratégias, os métodos de comunicação e ajuntamento, a sociologia e antropologia são coadjuvantes no ato de plantar igrejas. Devemos nos ater à Palavra - sua exposição. A Cristo - proclamá-lo. Ao testemunho - evidenciar nossa experiência com Deus.

Paulo certamente utilizou da logia, das palavras, no plantio da igreja nesta cidade. Ele nos ensina, porém, que não foi tão somente com palavras, mas com palavras cheias do poder de Deus, usadas pelo Espírito Santo, e convictas de que se lida com a verdade do Senhor, que nasceu ali uma igreja local.

Reconciliando Missiologia e Teologia

Missiologia e Teologia não devem ser tratadas como áreas separadas de estudo, mas sim como disciplinas complementares. A Teologia não apenas coopera com a Igreja ao fazê-la entender o sentido da Missão e a base para o plantio de igrejas como também provê o entendimento bíblico motivacional para o Evangelismo. A Missiologia, por outro lado, dirige teólogos para o plano redentivo de Deus e os ajuda a ler as Escrituras sob o pressuposto de que há um propósito para a existência da Igreja. Isto os capacita a desenvolver um ensino bíblico que vá além das paredes do templo e salas de aula já que a Igreja “deve ser enraizada tanto na Pessoa quanto na Missão de Deus”[7].

Hesselgrave, confirmando a infeliz ausência de fundamento teológico em estudos sobre plantio de igrejas expõe que “o compromisso evangélico com a autoridade das Escrituras é vazio de significado se não permitimos que os ensinos bíblicos moldem a nossa missiologia”[8].

Van Engen enfatiza que Teologia de missões necessita ser um campo multidisciplinar que lê as Escrituras com olhos missiológicos e “se fundamenta nesta leitura, continuamente reexaminada, reavaliando e redirecionando o envolvimento da Igreja na Missio Dei, no mundo de Deus”[9].

Paul Hiebert nos explica que muito comumente nós escolhemos alguns poucos temas bíblicos, e destes nós construímos uma Teologia simplista ao invés de olharmos para os profundos motivos que jorram de toda a Escritura, expondo assim que um trabalho missionário sem um sólido fundamento teológico se divorcia da mente de Deus. Não podemos ceder aos atalhos teológicos na proclamação do evangelho.

Por outro lado não raramente a Missiologia é varrida para fora dos centros acadêmicos e de preparo teológico em diversas partes do mundo, ou mesmo tratada como de menor valor. Este terrível engano freqüentemente produz pastores sem sonhos, missionários despreparados e teólogos cujo conhecimento poderia ser grandemente usado para as necessidades diárias de uma Igreja que está com as mãos no arado, mas por vezes não sabe para onde seguir. A divórcio entre Teologia e Missiologia é uma das principais fontes geradoras de sincretismo e liberalismo no processo de plantio de igrejas.

Teólogos reformadores da Igreja como Lutero, Calvino e Zwinglio teologizavam em sintonia com as gritantes necessidades diárias de uma Igreja que crescia e precisava de direção bíblica. Zwínglio chegou a afirmar que a Genebra de Calvino era “a mais perfeita escola de Cristo que jamais houve na terra desde a época dos apóstolos”[10]. Lutero, ao traduzir a Bíblia para a língua do povo perseguia a missão de levar o culto a todos os homens. O conhecimento teológico estava a serviço de Deus e a disposição da Igreja, não paralela a ela.

Creio que enfrentamos três perigos quando a Teologia e Missiologia não são percebidas como parceiras:

► Usar Deus como um instrumento para realizar nossos propósitos no plantio e crescimento de igrejas em lugar de servi-Lo no cumprimento de Seus planos na terra (1 Co 3:11).


► Oferecer soluções simplistas para problemas complexos em relação à comunicação do evangelho, contextualização e plantio de igrejas.


► Utilizar a teologia com finalidade puramente acadêmica e não aplicável à Igreja, sua vida e dinâmica.

Quando Martin Kahler afirmou que a missiologia é a mãe da teologia ele tentava expor que a Teologia foi desenvolvida enquanto a mensagem de Cristo era anunciada, ou seja, foi formada enquanto plantadores de igrejas refletiam e trabalhavam na implementação do desejo de Deus em diferentes lugares e culturas (1 Co. 3:6). Por outro lado plantar igrejas não é uma ação autojustificada, mas sim um instrumento usado por Deus para realizar seu alvo final (Heb. 1:1-4).

De acordo com David Bosch, Teologia nos primórdios do Novo Testamento era praticada no contexto da Missão e em resposta a questões missiológicas enquanto plantadores de igrejas espalhavam o evangelho e alimentavam a Igreja existente. O apóstolo Paulo é um exemplo clássico deste modelo. Dr Augustus Nicodemus o expõe como “o mais impressionante teólogo do Cristianismo bem como seu maior missionário”[11] destacando, de forma bíblica e extremamente relevante, o perfil do apóstolo em seu ministério. Quando analisamos os ensinos de Paulo entendemos que seu ministério estava fundamentado em suas convicções teológicas inspirando-nos a refletir sobre Deus e sua ação no mundo (Rm. 15). Missiologia e Teologia, indisputavelmente, devem caminhar de mãos para a glória de Deus, a fidelidade às Escrituras e a evangelização dos perdidos.

Orientação teológica para o plantio de igrejas

Lesslie Newbigin influenciou tremendamente a missiologia mundial ao ensinar que a Igreja apenas encontraria genuíno renovo em sua vida e testemunho através de um novo encontro do evangelho com a cultura. Assim, para prover respostas para as perguntas missiológicas de hoje precisamos desenvolver a) análise sócio-cultural; b) reflexão teológica; c) visão para a Igreja e sua missão[12]. Era o levantar da bandeira que conclamava a Igreja a apresentar um evangelho relevante, na língua do povo, que responda às perguntas mais inquietantes da sociedade de hoje.

Torna-se necessário, portanto, reafirmarmos nossos critérios bíblicos para o plantio de igrejas. Dentre muitos, creio que três deles são extremamente relevantes.

1. O Plantio de igrejas não deve ser definido em termos de treinamento e habilidade mas sim pelo poder e desejo de Deus em salvar vidas.

Apesar de haver grande necessidade de treinamento de obreiros e utilização de suas habilidades nós não devemos esperar o cumprimento da missão por meio de estratégias cuidadosamente desenhadas e recursos humanos bem preparados, apenas.

Nada, a não ser Deus, Seu poder e ação, poderá habilitar espiritualmente a Igreja a fim de concluir os planos do Senhor no mundo (Ef. 2:1-10). Plantio de igrejas não é meramente um assunto de marketing, metodologia ou estratégia. É um assunto espiritual, definido pelo poder de Deus, liberado através do único e inimitável sacrifício de Cristo e implementado pela ação do Espírito Santo (João 14:15-18) que guia Sua Igreja a orar, crer e trabalhar.

Anderson expõe o plantio de igrejas como um alvo baseado em quatro áreas: a) a conversão dos perdidos; b) sua organização em igrejas locais; c) promoção e treinamento de líderes em cada comunidade; d) fomentação de independência espiritual e organizacional em cada comunidade.

Sendo, ao mesmo tempo, uma entidade humana e espiritual, a Igreja necessita compreender sua identidade bíblica para que possa servir ao Senhor. Portanto, dentre inúmeros pontos teológicos, creio ser importante ensinar que:

► A Igreja é a comunidade dos redimidos, foi originada por Deus e pertence a Deus (1 Co. 1:1-2).


► A Igreja não é uma sociedade alienante. Aqueles que foram redimidos por Cristo continuam sendo homens e mulheres, pais e filhos, fazendeiros e comerciantes que respiram e levam o evangelho onde estão (1 Co 6:12-20).


► A Igreja é uma comunidade sem fronteiras, portanto fatalmente missionária (Rm. 15: 18-19).


► A vida da Igreja, acompanhada das Escrituras, é um grande testemunho para o mundo perdido. É necessário, portanto, que preguemos um evangelho que faça sentido tanto dentro como fora do templo (Jo. 14:26; 16:13-15).


► A missão maior da Igreja é glorificar a Deus (1 Co. 6:20; Rm. 16:25-27).


2. O Plantio de igrejas não deve ser definido em termos de resultados humanos mas sim pela fidelidade às Sagradas Escrituras

Já enfatizamos que a fundamentação da comunicação do evangelho jamais deve ser definida através daquilo que funciona mas sim pelo que é bíblico (1 Tes. 1:5). Em plantio de igrejas o que é bíblico não significa, necessariamente, grandes resultados em termos de rapidez e números.

Se observarmos os grandes movimentos de plantio de igrejas no mundo hoje iremos descobrir alguns movimentos antibíblicos que aparecerão dentre os 10 primeiros, se utilizarmos o critério de crescimento numérico e influência geográfica. A Igreja do Espírito Santo em Gana, por exemplo, é um movimento de plantio de igrejas que se desenvolve rapidamente no sul daquele país e agora envia obreiros para além fronteiras, também com grandes resultados. Alguns anos atrás eu me lembro que seu fundador escreveu uma carta para todas as instituições cristãs no país convidando-as para o dia de inauguração daquele ministério e, ao fim, declarando ser, ele mesmo, a encarnação do Espírito Santo na terra. Hoje este é um grande e rápido movimento missionário espalhando influência em diversos países. Nem tudo o que funciona é bíblico.


Precisamos definir nosso compromisso. Somos comprometidos com Deus e sua Revelação e não com homens ou estratégias de crescimento incompatíveis com o Senhor. Não temos a permissão de Deus para manipularmos os homens ou criarmos atalhos na proclamação do evangelho.

Devemos, porém, cuidar para também não sermos tomados por um orgulho a-pragmático como se o número reduzido de convertidos no processo evangelístico com o qual estamos envolvidos fosse evidência de que, ao contrário de outros, somos bíblicos! Esta compreensão, também, é fruto de soberba e não raramente incoerência com os fundamentos práticos e bíblicos da evangelização e não raramente a observo em alguns contextos. Ocorrem quando falta amor pelos perdidos, disposição para a evangelização, consciência missionária e, paradoxalmente, má compreensão das Escrituras.

3. O Plantio de igrejas não deve ser uma ação definida pelo conhecimento do evangelho mas sim por sua proclamação.

O ponto mais relevante ao lidar com a praxis do plantio de igrejas não é quão capacitado você está para pregar o evangelho mas sim o quanto você o faz (Ef. 1:13). Igrejas nascem onde a Palavra de Deus operou poderosamente, o que enfatiza a importância essencial da proclamação do evangelho no processo de plantar igrejas. Este não é um ponto negociável. Van Egen e Van Gelder avaliam isto ao ponderar que em um movimento missionário o alvo é fazer o evangelho conhecido e não gerar um contexto físico ou eclesiástico que possa abrigá-lo[13].

Conversando com um recém convertido no Peru onde havia uma boa equipe missionária com o alvo de plantar igrejas perguntei porque as pessoas não estavam vindo para Cristo, especialmente tendo em mente um número expressivo de missionários trabalhando durante um longo período. Ele rapidamente respondeu: “Creio que é porque as pessoas não ouvem o evangelho”. Então percebi que, apesar da excelente liderança presente, bom sistema de comunicação por satélite, obrigatoriedade de relatórios trimestrais e uma ótima estrutura de cuidado pastoral a equipe missionária, simplesmente, não falava de Jesus.

Não interessa o que mais um plantador de igrejas faça, ele precisa proclamar o evangelho. Trabalho social, ministério holístico e compreensão cultural jamais irão substituir a clara comunicação do evangelho[14]ou justificar a presença da Igreja. O conteúdo do evangelho exposto em todo e qualquer ministério de plantio de igrejas deve incluir a) Deus como Ser Criador e Soberano (Ef. 1:3-6); b) O pecado como fonte de separação entre o homem e Deus (Ef. 2:5); c) Jesus, Sua cruz e ressurreição como o plano histórico e central de Deus para redenção do homem (Heb. 1:1-4); d) O Espírito Santo, Parakletos, como o cumprimento da Promessa e encarregado de conduzir a Igreja até o dia final.

Lembro-me bem quando, recém chegados na África em 1993, nosso líder de campo, o indiano P. M. John, nos informou que havia procurado um plantador de igrejas para dar-nos um seminário a respeito do assunto porém nenhum estava disponível. “Todos estão ocupados plantando igrejas”, disse ele.

O valor mais profundo em um ministério de plantio de igrejas deve ser a proclamação do evangelho. Isto significa que apenas uma igreja viva e apaixonada por Jesus irá testemunhar da dinâmica e poderosa Palavra de Deus (Jo. 16:13-15). A visão de teólogos, missiólogos, pastores, igrejas e missionários trabalhando juntos na proclamação do evangelho nos dá alento e esperança para caminharmos mais. A unidade é nossa aliada.

Uma breve retrospectiva histórica e metodológica

Quando consideramos as abordagens históricas mais comuns nos últimos séculos no processo de plantio de igrejas iremos notar que após a Reforma Protestante, no século 16, Gisbertus Voetius em sua Política Ecclesiastica descreveu os propósitos da Igreja com incrível ênfase no evangelismo pessoal e treinamento de líderes. Logo depois o Pietismo passou a enfatizar a salvação individual e não movimentos de plantio de igrejas, apesar de vermos também neste período várias iniciativas transformadoras através de missionários protestantes como William Carey e William Ward além de vários outros.

Ward, protestante que influenciou um vasto círculo de líderes em sua época escreveu em seu jornal, em 1805, que “ao plantarmos igrejas distintas pastores nativos devem ser escolhidos... e missionários devem preservar sua característica original, dedicando-se ao plantio de novas igrejas e supervisionando aquelas já plantadas”[15]. Com isto está clara a preocupação vocacional, funcional e estrutural quanto ao plantio de igrejas já no início do século 19.

Em meados do século 19 Henry Venn e Rufus Anderson direcionaram a Igreja através de sua intencionalidade no plantio de igrejas, justificando que as mesmas deveriam, ao ser plantadas, ter três características básicas: serem autopropagáveis, autogovernáveis e auto-sustentadas. Era o desenvolvimento do conceito de plantio de igrejas autóctones.

Na segunda metade do século 19, o esforço missionário denominacional combinou o plantio de igrejas com o desenvolvimento social quando foram construídos um número expressivo de hospitais, escolas e orfanatos em todo o mundo, gerando também crescimento e enraizamento denominacional nos países onde o evangelho avançou.

Hibbert observa, assim, que no início dos anos 80 havia três principais tendências quanto à ênfase no plantio de igrejas. McGravan e Winter enfatizavam evangelismo e crescimento de igrejas; John Stott e outros enfatizavam uma abordagem holística conhecida hoje como missão integral; Samuel Escobar, René Padilha e outros adotaram um foco mais direcionado na justiça social.

Encontramos hoje uma vasta proliferação de modelos de plantio e crescimento de igrejas tais de como de Garrison, Vineyard, Willow Creek, Ralph Neighbor, Charles Brok, Brian Woodford e muitos outros. Observando os pontos que julgo positivos quase todos possuem três ênfases semelhantes: a) plantio de igrejas de forma intencional e planejada; b) a rápida incorporação dos novos convertidos à vida diária da igreja; c) ênfase no treinamento de liderança local e comunidades autogovernáveis.

Um número expressivo de movimentos missionários, na história da expansão da Igreja, perdeu-se em meio a esquisitices metodológicas. A razão primária, em boa parte dos casos, não foi infidelidade a Deus ou desejo intencional de liberar-se dos princípios básicos da fé cristã, tão demarcados nos primórdios, mas sim a ausência de salvaguardas bíblicas na fundamentação de suas atitudes e metodologias ao longo do processo de proclamação. Em outras palavras, a própria paixão pela proclamação da Palavra, se não revestida de fundamentação bíblica e teológica, funciona como um elemento fomentador de liberalismo ou insensatez.

Observando os diversos segmentos de plantação de igrejas no mundo atual, podemos perceber que o enraizamento dos problemas mais comuns em tais processos está ligados a alguns fatores, sobre os quais escrevo a seguir.

a) A dificuldade de se distinguir igreja e templo, perdendo assim o valor do discipulado e gerando mais investimento na estrutura do que em pessoas.

b) A demora na introdução dos convertidos na vida diária da Igreja diluindo assim o valor da comunhão e integração além de gerar crentes imaturos, sem funções, desafios ou envolvimento.

c) A despreocupação com os fundamentos teológicos e atração pelos mecanismos puramente pragmáticos.

d) A ausência de sensibilidade social e cultural, pregando um evangelho sem sentido para o contexto receptor. Uma mensagem alienada da realidade da vida.

e) A excessiva pressa no plantio de igrejas, gerando comunidades superficiais na Palavra e abrindo oportunidades reais para o sincretismo ou nominalismo.

f) O excessivo envolvimento com a estrutura da missão ou da igreja desgastando pessoas, recursos e tempo, e minimizando o que deveria ser o maior e mais amplo investimento: a proclamação do evangelho.

Simonton, em seu sermão “Os meios necessários e próprios para plantar o Reino de Jesus Cristo no Brasil”[16], em 1867, expõe cinco pontos necessários para a evangelização em uma perspectiva bíblica. Primeiramente ele nos diz que é necessário ter vida santa pois “na falta desta pregação os demais meios não hão de ser bem sucedidos”. Em segundo lugar ele defende a distribuição de literatura bíblica como livros, folhetos e a Bíblia pois “a imprensa é a arma poderosa para o bem”. Em terceiro lugar a pregação individual pois “cada crente deve comunicar ao vizinho ou próximo aquilo que recebe”. Em quarto lugar ele menciona o chamado ministerial, a pregação por pessoas designadas e ordenadas para este encargo. Por fim, em quinto lugar, expõe a necessidade de se estabelecer escolas para os filhos dos membros das igrejas, uma iniciativa social e de investimento no rebanho.

A união entre teologia e missiologia, o estudo de Deus e aplicação deste conhecimento para a Sua glória na expansão do Reino, é uma união necessária para o estabelecimento de princípios e práticas no plantio de igrejas.


[1] David Jacobus Bosch. 1991. Transforming Missions – Orbis books, 201


[2] Michael Green. 2000. Evangelização na Igreja Primitiva. Ed. Vida Nova


[3]Preaching and Faith. 1940. UFT Publications


[4] Veja John Stott. 1981. The Living God is a Missionary God. Pasadena. William Carey Library


[5] Vicedom, George F. 1965. The Mission of God. St. Louis. Concordia


[6] Em Letters and Papers from Prison. 1953. New York. Macmillan


[7] Lings, George. Mission-shaped Church Theology. www.encountersontheedge.org.uk


[8] Hesselgrave, David. Essential Elements of Church Planting and Growing in the 21st Century. MSC Vol. 36, No. 1


[9] Van Engen, Charles. 1999. Footprints of God: A Narrative Theology of Mission. Monrovia, CA


[10] John Knox and the Church of Scotland – London Publications 1915 Christianity. Vol III


[11] Lopes, Augustus Nicodemus. 2004. A Bíblia e seus interpretes: uma breve história da interpretação. São Paulo: Cultura Cristã


[12] Newbigin, Lesslie. 1984. The Other Side of 1984: The Gospel and Western Culture. Geneva: WCC Publications


[13] Em Evaluating the Church Growth Movement – 5 views. 2004. Gen. Editor: Gary McIntosh. Zondervan.


[14] Veja Hesselgrave, David. 1988. Today’s Choices for Tomorrow’s Mission: An Evangelical Perspective on Trends and Issues in Missions. Grand Rapids: Zondervan


[15] Hibbert, Richard. A survey and evaluation of contemporary evangelical theological perspectives on church planting. Dissertação de Ph.D. em estudos interculturais – Trinity International University – Julho 2004. Não publicada


[16] O diário de Simonton - Ashbel G. Simonton (207-215) Pregação no Presbitério do Rio de Janeiro,186



retirado do site http://instituto.antropos.com.br

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