sexta-feira, 3 de maio de 2019

O PASTOR E A SÍNDROME DE BURNOUT: UMA ABORDAGEM TEOLÓGICA-PASTORAL.


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INTRODUÇÃO
“. . . para que façam isto com alegria e não gemendo” (Hb 13.17).

O ministério pastoral conta com inúmeros desafios, dificuldades e lutas. Nos últimos anos, porém, mais uma calamidade passou a ser comum à cultura pastoral: o burnout. Em seu estudo sobre o assunto, Jetro Ferreira da Silva concluiu que os ministros religiosos e outros profissionais de ajuda enfrentam um risco mais elevado de experimentar essa síndrome devido à natureza do seu trabalho.1 Ou como testifica Christopher Ash, alguém profundamente marcado pela vivência de esgotamento em determinado momento de seu ministério, “burnout é um preço terrível a ser pago pelo zelo cristão. Algumas vezes ele não pode ser evitado. Para alguns, significa que não há outra maneira de viver sacrificialmente para Jesus”.2 Semelhantemente, o pastor Ray Ortlund comentou: o que chamamos de burnout é a experiência de profunda exaustão na qual nossas capacidades usuais de resiliência, de recuperação, de permanecer firmes, confiantes e perseverantes não são mais suficientes. Burnout significa que algo bem profundo em nós entrou em colapso e não conseguimos mais continuar. Nós pastores entendemos o burnout, e não apenas na vida dos outros, mas em nós mesmos.3 A todos os agravantes relacionados a essa condição, se acrescenta o fato de que “muitas congregações estão totalmente inconscientes desse problema ou não compreendem o que significa para o pastor e sua família serem confrontados com o burnout”.4 Dessa forma, este artigo visa a contribuir com a discussão sobre esse assunto, trazendo esclarecimentos e apontando sugestões de tratamento aos pastores que lutam contra essa síndrome. Isso será feito por meio da revisão de alguns estudos que conectam o burnout ao ministério pastoral, bem como a indicação de algumas causas comuns e prescrições terapêuticas à cultura pastoral. Devido à natureza introdutória e descritiva deste artigo, vários tópicos aqui abordados poderão ser, certamente, ampliados e estudados em maior profundidade.


1. PASTORES E A SÍNDROME DO BURNOUT
A síndrome de Burnout tem sido conceituada como um distúrbio psicótico de caráter depressivo, resultante do esgotamento mental e físico, intimamente conectado à atividade profissional de alguém.5 O Dr. Steve Midgley corretamente lembra que “burnout não é um diagnóstico com precisão médica e nem deve ser confundido com o colapso mental, mas trata-se de um recurso cultural para explicar o que ocorre com aqueles que estão ‘vivendo no limite’”.6 Em geral, essas pessoas são caracterizadas pela impossibilidade de operar corretamente por causa da exaustão de energia. O conceito da síndrome do burnout surgiu em meados dos anos 1970, nos Estados Unidos, como explicação para o processo de esgotamento de trabalhadores que culminava no desempenho paupérrimo ou completo desinteresse na atividade profissional. Com o passar do tempo, a síndrome passou a ser identificada como uma resposta ao estresse laboral crônico integrado por diferentes atitudes e sentimentos negativos.7 No Brasil, o diagnóstico é regulamentado pelo Decreto 3.048 (de 1999), no anexo II do Regulamento da Previdência Social, que trata dos Agentes Patogênicos causadores de doenças profissionais, e está incorporado na CID 10 (Classificação Internacional das Doenças) como a “sensação de estar acabado”, Síndrome do Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional.8 Segundo Pêgo e Pêgo, “o burnout acomete profissionais que mantêm uma relação direta e constante com outras pessoas, como professores, médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, policiais, bombeiros etc.”.9 O fato de essas pessoas se dedicarem ao cuidado com o próximo, conviverem com situações tensas, lidarem com o sofrimento do outro e assim por diante faz com que, muitas vezes, se tornem vítimas do desgaste. Nesse sentido, o ministério pastoral parece oferecer várias condições para que o burnout seja um perigo contínuo e imediato também para os pastores. Alguns estudiosos descrevem o burnout como um fenômeno de natureza tridimensional caracterizado por sentimentos de exaustão emocional, desapego do trabalho e insatisfação pessoal.10 Deve se observar ainda que esses fatores são favorecidos por profissões que alimentam a despersonalização do trabalhador, a necessidade de contínuas adaptações ao trabalho e a intensa carga emocional exigida pelo mesmo.11 O burnout comumente atinge os profissionais voltados para as atividades de cuidado de outros, especialmente quando esse cuidado implica na oferta de ajuda para casos que envolvem intensas pressões e alterações emocionais.12 Nesse sentido, o pastor que no mesmo dia celebra o nascimento de uma criança e parte para a realização do culto fúnebre de um ente querido da comunidade acaba sofrendo um desgaste incomum a outros profissionais. Também, outros profissionais dificilmente carregam a pressão extra de terem a família “na vitrine”, diante dos olhos da congregação, sendo julgada e continuamente avaliada, como ocorre com o ministro do evangelho. Em sua dissertação de mestrado, a pesquisadora Roseli Margareta K. de Oliveira constata que “no meio pastoral, ou religioso, em geral, há muito desgaste, devido às demandas constantes pessoais e familiares relacionadas à congregação que pastores lideram, havendo uma relação entre exaustão emocional, física e espiritual”.13 Nesse sentido, Alistair Begg lembra ser comum no pastorado o ministro retornar de eventos nos quais ele é usado para ajudar outros, mas não encontrar nenhum recurso para sustentar a si mesmo.14 Outros elementos que agravam essa condição incluem o fato de o pastor conviver com a solidão ministerial, bem como as exigências de que ele possua mente culta, coração inocente, capacidade de receber e absorver críticas e as pressões comuns à posição de liderança. Enfim, todo esse conjunto faz com que o pastor seja um dos candidatos ideais para o estresse, a fadiga e o burnout. Por exemplo, alguém já considerou que em uma programação social da igreja, enquanto todos se divertem e descansam, o pastor está atento a algum membro solitário ou aconselhando quem precisa de ajuda? Todos se divertem; o pastor trabalha! Conquanto algumas estatísticas apontem para o surgimento de um esforço tímido de algumas igrejas no sentido de cuidarem melhor dos seus pastores, ainda permanecem a sobrecarga, o estresse, as dificuldades financeiras e as pressões causadas pelas expectativas exageradas dos membros da congregação em relação ao pastor e sua família.15 Um exemplo a esse respeito pode ser visto no trabalho dos pesquisadores do Francis Schaeffer Institute of Church Leadership Development, o qual revela sinais alarmantes com respeito à saúde dos ministros de denominações evangélicas nos Estados Unidos. Dentre os pastores entrevistados, · 75% relataram estar “extremamente estressados”; · 90% trabalham entre 55 e 75 horas por semana; · 90% se sentem fatigados e exaustos ao final de cada semana; · 70% afirmam não serem suficientemente pagos para realizar seu trabalho; · 40% relataram sérios conflitos e tensões com algum membro da congregação ao menos uma vez por mês.16 Nesse sentido, ainda que esclarecedoras, o leitor deve considerar que as estatísticas, em geral, revelam apenas uma ponta do iceberg. A verdadeira situação da classe pastoral pode ser bem pior do que esses dados indicam. Em sua pesquisa sobre o tema, a Dra. Crystal M. Burnette conclui que, “com base na literatura empírica, publicações populares e testemunhos pessoais, o burnout é uma realidade para muitos pastores”.17 Essa afirmação pode ser constatada observando-se o conjunto de títulos recentemente publicados sobre esse assunto.18 O que essa literatura nem sempre aborda são os impactos do burnout pastoral sobre a família e a vitalidade da congregação. A ênfase dessas obras, em geral, diz respeito ao bem-estar do indivíduo e às recomendações pessoais para prever os sintomas de burnout. São necessários estudos mais específicos sobre causas e prevenções comunitárias no sentido de ajudar os ministros do evangelho a continuarem espiritual, emocional e fisicamente saudáveis no desempenho de seu trabalho. Também, ainda que importantes, informações estatísticas sobre a condição emocional da cultura pastoral, sem o devido processamento, servirão apenas para despertar a atenção da igreja em relação a um perigo iminente. Se não forem analisados corretamente, dados e números não explicarão por si mesmos as causas prováveis e nem estabelecerão as precauções básicas na luta contra o quadro de burnout entre pastores. Por isso, a próxima parte deste artigo se dedica a listar alguns fatores que, se não tratados, acabam culminando na síndrome de burnout no ministério pastoral. Após isso, será apresentada uma lista de sugestões de medidas a serem tomadas para se evitar ou lutar contra esse fenômeno. Como um ensaio sempre intenta uma abordagem representativa, mas limitada, os tópicos relacionados neste artigo podem ser ampliados em estudos posteriores. 2. CAUSAS DE BURNOUT ENTRE PASTORES Por se tratar de uma síndrome que envolve inúmeras variáveis, o diagnóstico do burnout deve considerar a resistência de cada indivíduo para enfrentar pressões, mas também necessita observar que o burnout se instala de maneira lenta, gradual e progressiva no indivíduo. Nesse sentido, Álvarez Gallego e Fernández Ríos apontam três momentos para a manifestação dessa síndrome. O primeiro momento é considerado “estresse laboral”, quando as demandas do trabalho são maiores do que os recursos materiais e humanos para realizá-lo. O que é característico nessa fase é a percepção de uma sobrecarga de trabalho. O segundo período é entendido como “sobre-esforço pessoal”, quando o profissional tenta se adaptar às demandas e produzir uma resposta emocional ao desajuste percebido. Nesse momento, é comum o indivíduo expressar sinais de fadiga, tensão, irritabilidade e ansiedade. Por último, há o “enfrentamento defensivo”, no qual o sujeito produz uma troca de atitudes com o objetivo de se defender das pressões experimentadas. Isso acaba gerando comportamentos de distanciamento emocional, isolamento, cinismo e rigidez.19 O progresso desses sintomas dificulta a precisão do diagnóstico, retardando o tratamento. Além do mais, é comum encontrar muitos casos nos quais a pessoa se nega a acreditar que o caso dela seja, de fato, tão sério. Na literatura sobre o assunto é comum encontrar a descrição de alguns sintomas já estabelecidos para identificar o progresso no esgotamento que resulta na síndrome de burnout. Essa metodologia ajuda o leitor a fazer uma autoanálise para avaliar sua verdadeira condição. No caso de pastores, é triste constatar que nem todos possuem as informações ou a disposição para atentar seriamente a esses sintomas. Isso acaba intensificando um quadro que já é deveras preocupante. Estudiosos costumam olhar para os sintomas do burnout como os meteorologistas analisam as mudanças climáticas ou estabelecem previsões de tufões. Não há, nesse sentido, uma cartilha cronológica a ser obedecida, mas o efeito cumulativo de alguns sintomas é altamente revelador nesse processo. Um indício de um quadro que pode progredir para o burnout é a fadiga extrema.  Nesse caso, a pessoa começa a se sentir cansada mais frequentemente do que as atividades diárias justificariam. Outro sintoma nesse mesmo sentido é o isolamento de outras pessoas. Na verdade, as pessoas em risco do burnout não encontram energias mentais e nem disposição para manterem associação com outros, pois elas estão utilizando todas as suas reservas para sustentarem a si mesmas. Um terceiro elemento nessa lista é o aumento da impaciência. Ou seja, à medida que a capacidade de realizar as atividades comuns diminui, a impaciência aumenta. Nesse caso, é comum encontrar pessoas esgotadas se irritando com outros sem razão alguma. Além do mais, elas comumente poderão culpar outros ao redor por suas próprias falhas. Em quarto lugar, é comum que alguém próximo ao burnout manifeste algumas limitações físicas e até enfermidades. Nesse caso, dores de cabeça frequentes, baixa imunidade, problemas estomacais e intestinais e outros podem ser comumente percebidos. Por último, há o sintoma da estagnação. No início, essa estagnação ocorre de maneira frequente em casos isolados, com acessos de ira ou frustrações, mas, com o passar do tempo, ela pode se desenvolver em estagnação severa, na qual a pessoa interpreta tudo ao ser redor de maneira negativa.20 Esses indícios podem variar segundo quem analisa o assunto, mas, em geral, esses cinco listados acima são mantidos em comum acordo pelos estudiosos. Uma vez esclarecidos os sintomas, o normal é que se caminhe para a análise das causas. Como o objetivo deste artigo é considerar o burnout entre pastores, serão ponderadas aqui duas causas pessoais, duas relacionais e uma ministerial. A seleção desses fatores atende à frequência com a qual eles aparecem nos estudos sobre esse assunto.21 Muitas vezes a causa do burnout no ministério não possui relação direta com as atividades desempenhadas pelo pastor, mas com sua própria condição física. Embora pregadores geralmente ensinem que o ser humano é uma unidade espiritual e física, na prática eles geralmente negligenciam o bem-estar desse último elemento. É comum encontrar, na cultura pastoral, ministros que dormem muito pouco, se alimentam descuidadamente e vivem vida sedentária. Alguns, em tom de brincadeira, se esquecem da recomendação de Paulo sobre os proveitos da prática da piedade e se lembram apenas da parte do versículo que diz: “o exercício físico para pouco é proveitoso” (1Tm 4.8). Todavia, se o problema fosse causado apenas pela ausência de atividades físicas, talvez a situação não fosse tão grave como se apresenta. Há inúmeros pastores obesos, alguns que se alimentam mal e outros que parecem não se importar com as condições de hipertensão, problemas cardíacos ou alguma outra disfunção da saúde física. O que pode ser tardiamente percebido é que a realidade psicossomática do ser humano faz com que a qualidade do corpo acabe afetando o ânimo e o bem-estar da alma. Dessa maneira, uma das causas do burnout entre pastores pode estar conectada com a maneira como o ministro cuida do seu corpo. Logo, os check-ups médicos regulares podem ser uma excelente maneira de avaliar a atenção que esses obreiros têm dado ao templo do Espírito Santo, do qual eles são mordomos. Se, por um lado, a condição do corpo pode afetar a alma, por outro lado, as enfermidades da alma acabam resultando em consequências danosas para o organismo físico. Por essa razão, outra causa pessoal do burnout entre os pastores pode estar conectada à situação espiritual dos mesmos. Quando um obreiro do evangelho cultiva algum “pecado secreto”, isso produz tamanha aridez que o fardo pode ser insuportável e atinge diretamente o bem-estar físico do mesmo. Por essa razão, na investigação das causas do burnout ninguém pode ignorar os efeitos resultantes de algum pecado pessoal não confessado, especialmente no pastor. O sábio de Provérbios afirma que “tortuoso é o caminho do homem carregado de culpa” (Pv 21.8). Um exemplo desse “caminho tortuoso” é apresentado por Davi no Salmo 32, quando ele diz: “Enquanto calei os meus pecados, envelheceram os meus ossos pelos meus constantes gemidos todo o dia” (Sl 32.3). Em outra ocasião, o mesmo Davi confessa: “Não há parte sã na minha carne por causa da tua indignação; não há saúde nos meus ossos por causa do meu pecado” (Sl 38.3). Novamente aqui, a condição psicossomática do ser humano precisa ser considerada, pois assim como o estado físico afeta a alma, a condição da alma também tem efeitos sobre o corpo. Além do mais, em um interessante estudo com 270 ministros sobre esse assunto, foi encontrado que a aridez espiritual é o indicador primário de exaustão emocional, estresse e burnout entre pastores.22 Por isso, é importante que, em uma anamnese séria, não se ignore o fator espiritual da pessoa, ou seja, a possibilidade de pecado e culpa encobertos. E como acontece em relação a outros assuntos, os pastores também não se encontram isentos nessa questão. Há pastores que se encontram desprovidos de alegria no ministério porque a “alma está cansada”! Muitos fazem o trabalho do Senhor gemendo porque cultivam amarguras que nunca foram tratadas, impurezas que não foram confessadas e abandonadas. Assim, o cansaço profissional começa com a fadiga espiritual! Contudo, não são apenas elementos intra corpus que afetam a saúde do pastor, mas o relacionamento interpessoal dos mesmos. Desse modo, a família e a igreja local devem ser cuidadosamente apreciadas. Em seu livro Quem cuida de quem cuida?, Wadislau Gomes aborda a importância dos relacionamentos eclesiásticos para o ministro da Palavra. Naquela obra, Gomes afirma que “a comunhão com o próximo é reflexo da glória da comunhão com Deus”.23 Relacionamentos domésticos podem ser uma fonte de alegria e júbilo para os pastores, mas também uma causa de estresse e intenso sofrimento. Certamente quando o que nos entristece está tão próximo do nosso coração como acontece com o relacionamento conjugal ou a relação com os filhos, a dor pode se tornar, em determinados momentos, quase insuportável!24 Mas como vivemos em um mundo caído, onde os relacionamentos são quebrados, o ministério pastoral não neutraliza as crises e angústias no círculo doméstico do obreiro. Há pastores cujo casamento parece estar sempre por um fio e nenhum dos cônjuges se interessa em buscar solução para o crescente conflito. Isso se torna evidente pela observação empírica do número de divórcios na cultura pastoral. Também os problemas com filhos são estressantes para qualquer pai, mas especialmente para o pastor. Nessa lógica, as expectativas da igreja, a pressão de ter que ensinar os princípios bíblicos sobre criação de filhos e a sensação de ter falhado como pai podem ser excruciantes! De fato, o peso esmagador dos problemas domésticos pode minar o ânimo do ministro e esgotar sua alegria a ponto de ele se sentir sempre cansado e desqualificado para o ministério da Palavra. Quando não encontra solução para essas dificuldades, o pastor pode sucumbir à fadiga excessiva. Daí a síndrome do burnout! Outra área relacional que pode gerar estresse e desfalecimento ao obreiro diz respeito à igreja local, especialmente sua liderança. É verdade que estudos estatísticos apontam para uma melhora nesse aspecto em algumas regiões mais desenvolvidas. Nos últimos 20 anos, por exemplo, algumas congregações parecem estar cuidando melhor de seus pastores.25 Todavia, algumas expectativas irreais do rebanho continuam sendo fonte de desgaste de alguns ministros. Geralmente a igreja não respeita feriados ou dias de descanso dos pastores. Afinal, essas datas parecem ser ocasiões oportunas para se realizar atividades comunitárias e momentos propícios para as ovelhas ligarem e discutirem assuntos importantes com os seus pastores. No entanto, isso acaba revelando a expectativa de que o ministro deva estar o tempo todo à disposição da igreja. Além do mais, os conflitos entre pastores e outros membros da liderança local já se revelaram tão comuns e traumáticos que se tornaram objeto de estudos acadêmicos de muitos interessados.26 O pior é que devido à natureza carnal de alguns desses embates, não há solução humana que seja fácil para os mesmos! Em suma, aquele que deveria ser visto como um irmão colaborador é tratado como “empregado” pela liderança local e sente seu trabalho cruelmente desvalorizado. Ainda no que diz respeito ao relacionamento entre pastores e membros de congregações locais está a maneira como os obreiros são maltratados financeiramente. A esse respeito, algumas instituições parecem acreditar terem recebido o “chamado divino” para manter seus pastores em uma condição de pobreza e miséria econômica! Com isso, além de explorarem profissionalmente, ainda se recusam a compensar devidamente. Se o pastor reclama, pode ser tachado de agir como “gentio e publicano”, que se preocupa com o dia de amanhã! Nessa relação, ele se mantém refém de uma condição que parece não ter saída. Com o passar do tempo, o cansaço toma conta! Por último, outro fator causador da síndrome do burnout entre ministros é o fato de que muitos no ministério perderam o foco do que, de fato, constitui o chamado pastoral. Há pastores realizando atividades que não deveriam estar na “descrição do cargo”. Por exemplo, há ministros que se orgulham de ser excelentes “construtores de templos” ao longo de sua história ministerial. Mas construção é algo que qualquer mestre-de-obras pode supervisionar e uma boa Junta Diaconal ou Comissão de Construção pode executar. Outros ainda se esmeram no trabalho organizacional da documentação da igreja, da atualização das atas e do cumprimento das decisões tomadas pelo Conselho local. Mas não deveriam essas coisas ser tarefas do secretário do Conselho? Também há pastores que consomem o tempo em atividades políticas da denominação, realizando planos, contatos, conchavos, previsões, estatísticas e inúmeras outras atividades que não estão diretamente ligadas ao ministério da Palavra. Para esses o poder da influência política parece ser a única coisa que ainda faz o coração pulsar de entusiasmo com algo relacionado ao seu desempenho na denominação. Todavia, quando se analisa o exemplo dos apóstolos de Cristo em Atos, percebe-se que eles não acharam razoável abandonar o ministério da Palavra de Deus para executar qualquer outra coisa, ainda que fosse o cuidado das mesas para alimentar as viúvas (cf. At 6.2). Paulo, por sua vez, quando comparou a excelência da pregação, considerou até a ministração do sacramento do batismo como secundária, pois ele disse: “Não me enviou Cristo para batizar, mas para pregar o evangelho” (1Co 1.17). Tudo isso deixa claro que existem atividades primárias e essenciais no ministério que, quando abandonadas em prol de tarefas secundárias, roubam o foco do ministro e resultam em frustração, abatimento e desencorajamento. Paulo ainda lembra que “o que se requer dos despenseiros é que cada um deles seja encontrado fiel” (1Co 4.2), e isso certamente diz respeito à vocação para a qual eles foram chamados. Concluindo, as causas da síndrome do burnout entre pastores são multiformes, pois possuem variadas fontes. Conquanto uma dessas possa ter influência maior em determinados casos, o conjunto precisa, de fato, ser considerado ao se analisar os fatores que podem resultar no desfalecimento do ministro do evangelho. 3. PRESCRIÇÕES TERAPÊUTICAS Tendo sido analisados os estudos estatísticos e as prováveis causas, é mister apontar alguns elementos prescritivos para aqueles que desejam evitar ou se livrar do quadro clínico com burnout. Como a natureza deste artigo não contempla a ciência médica nem os conhecimentos farmacológicos, as recomendações aqui não incluirão o uso de medicamentos apropriados. Somente um profissional da área médica estaria habilitado para orientações nesse sentido. Portanto, o que compete a este artigo é listar outros fatores terapêuticos e indicar que um profissional sério da área médica seja consultado para a obtenção de produtos com a finalidade de se chegar ao tratamento necessário de acordo com a síndrome em questão. Antes, porém, de listar sugestões e orientações terapêuticas comuns àqueles que lutam em prol da manutenção da vitalidade na lida ministerial, é fundamental que os pastores se disponham a “pedir ajuda”. Isso parece ser extremamente difícil, pois admitir a vulnerabilidade pessoal pode ser acompanhada de vergonha, sentimento de frustração e exposição a julgamentos de terceiros. Quando um pastor pede ajuda ele tem a sensação de estar desnudo! Fazer isso diante do Senhor é mais fácil, mas diante dos olhos de outros? Realmente isso abala a honra de qualquer indivíduo. Para muitos, o só pensar nesse processo é suficiente para eliminar tal atitude da lista de possibilidades. Todavia, o desgaste e o burnout são a falência da resistência pessoal e o orgulho acaba sendo um dos maiores obstáculos para a melhora do quadro. A esse respeito, o Dr. Midgley comenta: Algumas vezes podemos sentir estar em meio a uma neblina tão densa que precisamos da ajuda de alguém “de fora” para nos ajudar . . . Encontrar alguém que possa pregar as verdades do evangelho à nossa situação será um benefício enorme; também, poderemos ainda ter que buscar, junto ao aconselhamento, ajuda de algum profissional secular, bem como medicação.27 Além do mais, todo pastor que deseja ser bíblico em seu comportamento, deverá se lembrar que o apóstolo Paulo não se sentia envergonhado de pedir ajuda para suas necessidades. Várias vezes ele escreveu a diferentes igrejas dizendo: “Irmãos, orai por nós” (cf. 1Ts 5.25; 1Co 1.10-11; Ef 6.19-20 e Cl 4.3). Dessa maneira, se o obreiro em necessidade quiser manter a aparência de alguém totalmente competente e em completo controle sobre suas fragilidades, ele nunca pedirá ajuda. No entanto, se ele quiser ser visto como humano, carente da graça de Deus e dos instrumentos que o Senhor dispôs em seu corpo, a Igreja, para socorrê-lo em momentos de carência, ele pedirá ajuda! Com respeito às prescrições terapêuticas, considerando que os pastores estão frequentemente alimentando outras pessoas espiritualmente, é comum que muitos acabem negligenciando o seu próprio desenvolvimento espiritual. Essa “familiaridade com o sagrado” faz com que os pastores procurem nutrição na Palavra para as suas ovelhas, mas se esqueçam de alimentar a si mesmos.28 Porém, ao caírem nessa armadilha, aumentam a possibilidade do esgotamento, pois desprezam (ainda que inconscientemente) a fonte essencial de vitalidade que os impulsionou a considerar o ministério da Palavra e é poderosa para sustentá-los nessa mesma obra. A esse respeito, é condição sine qua non que o pastor não abandone suas práticas devocionais. O poder do Deus que vivifica os mortos (Rm 4.17) é primeiramente experimentado em contato com a Palavra vivificadora, por meio da leitura e meditação da mesma. O salmista confessa sobre esse assunto: “O que me consola na minha angústia é isto: que a tua palavra me vivifica” (Sl 119.50). Também, lembrando a exortação clássica do puritano Richard Baxter, é, pois, “necessário considerar o que devemos ser e o que devemos fazer por nossas almas, antes de considerar o que deve ser feito pelos outros”.29 Portanto, a primeira prescrição na luta contra o burnout diz respeito à prática diária e sistemática do cultivo da piedade e da comunhão com Deus. Não há nada mais cansativo e estressante do que tentar exercer o ministério meramente na força da carne!30 A segunda prescrição terapêutica para pastores contra o burnout é o simples fato de levarem suas limitações a sério. Eis aqui um axioma a ser ponderado por qualquer profissional: ninguém levará a sério suas limitações se você mesmo não o faz! O bem-estar emocional e físico implica no fato de o indivíduo conhecer a si mesmo e reconhecer que sua estrutura é pó (cf. Gn 2.7; Sl 90.3 e 103.14). Em outras palavras, cada ser humano é limitado!  Na cultura pastoral é comum encontrar alguns que se orgulham de trabalhar demasiadamente, quase não descansarem, se alimentarem mal e não praticarem qualquer atividade física. Todavia, antes que motivo de orgulho, isso deveria ser razão para vergonha, pois esses obreiros vivem de modo contrário ao que leem na própria Bíblia. Os pastores deveriam considerar a exortação de Brian Croft de que dormir faz bem à alma.31 A necessidade do sono, segundo Christopher Ash, é “uma marca fundamental de nossa mortalidade”.32 Além do mais, até o Verbo encarnado necessitou dormir (cf. Mc 4.38). Também é necessário que o pastor reserve tempo apropriado para o seu descanso e suas férias. Biblicamente falando, isso não é uma alternativa, mas um mandamento (cf. Ex 20.8-11 e Dt 5.12-15). Diferentemente do que a cultura popular diz, o tempo não é elástico e não é “a gente que o faz”. O tempo é um dom divino que não pode ser diminuído nem acrescido e, se o pastor não possui noção de suas limitações, acabará se encarregando de mais coisas do que tem tempo para realizar. Isso gera frustrações, cobranças e desgaste. Ainda quanto à natureza físico-material do indivíduo, é importante que o pastor exerça alguma atividade física regularmente. Essa prática melhora a circulação sanguínea e fortalece o sistema imunológico, bem como aumenta o metabolismo, ajuda na diminuição do risco de doenças cardíacas e fortalece os ossos e a musculatura. Porém, a atividade física ainda faz com que a pessoa “desligue” das preocupações profissionais enquanto a realiza. Esse benefício terapêutico é extremamente útil na luta contra o estresse, o desgaste e o burnout. Os pastores certamente teriam proveito se corrigissem suas cosmovisões quanto à importância do exercício físico. Outra prescrição terapêutica na luta contra o burnout é a descentralização ministerial. Há pastores que centralizam todas as atividades da igreja em si mesmos. Delegar parece ser uma dificuldade comum, especialmente entre os pastores. Em uma de suas pesquisas sobre o assunto, Thom Rainer identificou 12 razões pelas quais isso ocorre tão frequentemente, mas somente quatro serão mencionadas neste artigo. Primeiro, há o fato de que alguns líderes anexam seus valores às suas realizações. Com isso, se as atividades ministeriais são feitas com excelência, o pastor se sente indispensável e valorizado. O problema é que a manutenção desse sentimento acaba cobrando um preço elevadíssimo: a saúde do pastor que tenta realizar mais do que consegue. Ainda quanto à dificuldade de delegar, há alguns pastores que se vêm tão consumidos na realização de suas tarefas que acreditam não poder dispensar tempo para treinar outras pessoas. Na verdade, capacitar pessoas para executar tarefas corretamente consome muito tempo e energia, e é até arriscado, pois não possui garantias de que a pessoa irá se aplicar. Todavia, há também benefícios nesse projeto! Além do mais, os pastores foram vocacionados para treinar outros a desenvolverem seus dons corretamente em prol da saúde do Corpo de Cristo (cf. Ef 4.8s e 1Co 12). Em terceiro lugar, há o fato de que o ser humano, em geral, gosta de controle e se sente seguro quando o possui. Qualquer coisa que foge ao controle acaba gerando ansiedade, estresse e perturbação. Por essa razão, alguns que estão no ministério preferem não delegar. Mas talvez a razão principal para a falta de delegação entre pastores seja a “autoidolatria”. A esse respeito, parece não haver palavra melhor para descrever o sentimento de gostar de se sentir útil e necessitado ou de ter medo de que outra pessoa possa fazer o trabalho melhor e depois receba os elogios da congregação.33 Em suma, a descentralização ministerial, ainda que penosa, é uma necessidade para quem deseja se livrar do risco do burnout. A quarta prescrição em prol da sanidade do ministro diz respeito ao cultivo de verdadeiras amizades. Há uma máxima popular que diz que o pastorado é solitário, assim como todo cargo de liderança, mas a verdade é que não precisa ser assim. O ensino bíblico de que Deus criou o ser humano à sua imagem deveria ser o fundamento para nenhum cristão se contentar com o isolamento e a solidão. Deus vive eternamente em perfeita comunhão e amizade entre as pessoas da Trindade e, ao criar o ser humano à sua imagem, ele o fez um ser social e com necessidades relacionais. Nesse sentido, o homem carece do relacionamento com Deus, mas também com o seu próximo, alguém que lhe seja idôneo, e por isso Deus criou a mulher (Gn 2.18-25). O ser humano necessita do cultivo de amizades para viver de maneira saudável sobre a terra. A história bíblica está repleta de exemplos de pessoas que desenvolveram relacionamentos amigáveis como meios de encorajarem uns aos outros e permanecerem vigorosos no serviço do Senhor. O que dizer de Moisés e Josué, Elias e Eliseu, Daniel e seus amigos, Paulo e Silas, Timóteo e Tito? Um dos exemplos mais alentadores encontrados na Bíblia é a descrição da amizade entre Davi e Jônatas. Em uma ocasião na qual Davi estava desalentado, Jônatas saiu ao seu encontro e “lhe fortaleceu a confiança em Deus” (1Sm 23.16). Amizades preciosas podem, de fato, ser valiosos tesouros em tempos de abatimento. Como afirma o sábio de Provérbios, “como o óleo e o perfume alegram o coração, assim, o amigo encontra doçura no conselho cordial” (Pv 27.9). Ainda quanto a esse assunto, deveria ser considerada a importância da amizade do pastor com sua esposa. Ambos foram unidos por Deus para se fortalecerem mutuamente e a amizade conjugal pode ser grande fonte de bênção em prol da condição saudável no ministério. Essa amizade, diferente de qualquer outra, possui o benefício da união íntima, a qual, segundo o apóstolo Paulo, é instrumento de Deus contra as ciladas do inimigo (cf. 1Co 7.1-6). Portanto, nenhum obreiro deveria ignorar o cultivo da amizade com sua amiga da mocidade (cf. Pv 2.17). Por último, o pastor que deseja se manter livre da síndrome de burnout deve discernir corretamente entre sacrifício e esgotamento. Quando são lidas algumas palavras de Jesus nos evangelhos é possível ter a compreensão de que o Senhor exige, dos seus seguidores, o completo esgotamento, ou seja, o verdadeiro burnout. Por exemplo, em Lucas 9.23-24 se lê: “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; quem perder a vida por minha causa, esse a salvará”. Outrossim, Paulo exortou os crentes a que se apresentassem a Deus “por sacrifício vivo” (Rm 12.1). A resposta imediata a essas palavras pode ser a disposição de se deixar consumir no serviço do Senhor. A esse respeito, duas coisas básicas precisam ser consideradas. Primeiro, quando alguém se deixa consumir, ele nunca o faz sozinho, mas acaba compartilhando os efeitos da sua atitude com outras pessoas, quer seja a esposa, os filhos ou a própria igreja local.34 Em segundo lugar, há uma diferença entre o sacrifício verdadeiro e o burnout desnecessário. O sacrifício a Deus é algo exigido pelo Evangelho e por aquele que se entregou em prol do seu povo; o desgaste desnecessário é como um autoflagelo. Nesse sentido, o dano causado a si mesmo não possui benefício algum e também mutila a alegria e saúde de outros ao redor. Ademais, essa atitude resulta em completa insegurança de outros quanto à sanidade de quem a pratica. O sacrifício vivo é precioso aos olhos do Senhor, mas o mesmo Deus sustenta e capacita os seus servos para essa devoção. Cristãos perseguidos ao redor do mundo experimentam essa realidade de maneira mais radical do que muitos pastores contemporâneos poderiam imaginar. Todavia, o desgaste desnecessário, o burnout causado pela imprudência pessoal, não resulta em nenhum serviço de louvor a Deus! Em resumo, há várias coisas a serem feitas por quem luta contra o burnout. Nenhum ministro do Evangelho precisa sucumbir nessa batalha! Além das prescrições terapêuticas acima, é possível listar inúmeras sugestões práticas: manter um hobby pessoal, pedir que outra pessoa ajude no controle da agenda, montar um programa de prevenção junto com outros membros da liderança e assim por diante. Além do mais, pastores que passaram recentemente por essa experiência têm sido amorosos em compartilhar seus casos em publicações de teologia pastoral, a fim de ajudar outros colegas de ministério.

CONCLUSÃO
Estudos evidenciam que os pastores se encontram no grupo de risco da Síndrome do Burnout e isso está intimamente conectado à natureza e às exigências do ministério pastoral. Todavia, a melhor maneira de prevenir esse fenômeno não é a ignorância e nem a negação da realidade, mas o conhecimento de suas causas e a mudança de comportamento que pode resultar em um processo terapeuticamente saudável para os obreiros do Reino. Finalmente, é importante lembrar que o burnout não é a pior coisa que pode acontecer a um pastor, pois Deus, em sua sabedoria e graça, pode usar essa calamidade para ajudar seus servos a corrigirem erros processuais no exercício do ministério.

VALDECI SANTOS, O PASTOR E A SÍNDROME DE BURNOUT: UMA ABORDAGEM TEOLÓGICA-PASTORAL


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