INTRODUÇÃO
“. . . para que façam isto com alegria e não
gemendo” (Hb 13.17).
O ministério pastoral conta com inúmeros desafios,
dificuldades e lutas. Nos últimos anos, porém, mais uma calamidade passou a ser
comum à cultura pastoral: o burnout. Em seu estudo sobre o assunto, Jetro
Ferreira da Silva concluiu que os ministros religiosos e outros profissionais
de ajuda enfrentam um risco mais elevado de experimentar essa síndrome devido à
natureza do seu trabalho.1 Ou como testifica Christopher Ash, alguém
profundamente marcado pela vivência de esgotamento em determinado momento de
seu ministério, “burnout é um preço terrível a ser pago pelo zelo cristão. Algumas
vezes ele não pode ser evitado. Para alguns, significa que não há outra maneira
de viver sacrificialmente para Jesus”.2 Semelhantemente, o pastor Ray Ortlund
comentou: o que chamamos de burnout é a experiência de profunda exaustão na
qual nossas capacidades usuais de resiliência, de recuperação, de permanecer
firmes, confiantes e perseverantes não são mais suficientes. Burnout significa
que algo bem profundo em nós entrou em colapso e não conseguimos mais
continuar. Nós pastores entendemos o burnout, e não apenas na vida dos outros,
mas em nós mesmos.3 A todos os agravantes relacionados a essa condição, se
acrescenta o fato de que “muitas congregações estão totalmente inconscientes
desse problema ou não compreendem o que significa para o pastor e sua família
serem confrontados com o burnout”.4 Dessa forma, este artigo visa a contribuir
com a discussão sobre esse assunto, trazendo esclarecimentos e apontando
sugestões de tratamento aos pastores que lutam contra essa síndrome. Isso será
feito por meio da revisão de alguns estudos que conectam o burnout ao
ministério pastoral, bem como a indicação de algumas causas comuns e
prescrições terapêuticas à cultura pastoral. Devido à natureza introdutória e
descritiva deste artigo, vários tópicos aqui abordados poderão ser, certamente,
ampliados e estudados em maior profundidade.
1. PASTORES E
A SÍNDROME DO BURNOUT
A síndrome de
Burnout tem sido conceituada como um distúrbio psicótico de caráter depressivo,
resultante do esgotamento mental e físico, intimamente conectado à atividade
profissional de alguém.5 O Dr. Steve Midgley corretamente lembra que “burnout
não é um diagnóstico com precisão médica e nem deve ser confundido com o
colapso mental, mas trata-se de um recurso cultural para explicar o que ocorre
com aqueles que estão ‘vivendo no limite’”.6 Em geral, essas pessoas são
caracterizadas pela impossibilidade de operar corretamente por causa da
exaustão de energia. O conceito da síndrome do burnout surgiu em meados dos
anos 1970, nos Estados Unidos, como explicação para o processo de esgotamento
de trabalhadores que culminava no desempenho paupérrimo ou completo
desinteresse na atividade profissional. Com o passar do tempo, a síndrome
passou a ser identificada como uma resposta ao estresse laboral crônico
integrado por diferentes atitudes e sentimentos negativos.7 No Brasil, o
diagnóstico é regulamentado pelo Decreto 3.048 (de 1999), no anexo II do
Regulamento da Previdência Social, que trata dos Agentes Patogênicos causadores
de doenças profissionais, e está incorporado na CID 10 (Classificação
Internacional das Doenças) como a “sensação de estar acabado”, Síndrome do
Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional.8 Segundo Pêgo e Pêgo, “o
burnout acomete profissionais que mantêm uma relação direta e constante com
outras pessoas, como professores, médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes
sociais, policiais, bombeiros etc.”.9 O fato de essas pessoas se dedicarem ao
cuidado com o próximo, conviverem com situações tensas, lidarem com o
sofrimento do outro e assim por diante faz com que, muitas vezes, se tornem
vítimas do desgaste. Nesse sentido, o ministério pastoral parece oferecer
várias condições para que o burnout seja um perigo contínuo e imediato também
para os pastores. Alguns estudiosos descrevem o burnout como um fenômeno de
natureza tridimensional caracterizado por sentimentos de exaustão emocional,
desapego do trabalho e insatisfação pessoal.10 Deve se observar ainda que esses
fatores são favorecidos por profissões que alimentam a despersonalização do
trabalhador, a necessidade de contínuas adaptações ao trabalho e a intensa
carga emocional exigida pelo mesmo.11 O burnout comumente atinge os
profissionais voltados para as atividades de cuidado de outros, especialmente
quando esse cuidado implica na oferta de ajuda para casos que envolvem intensas
pressões e alterações emocionais.12 Nesse sentido, o pastor que no mesmo dia
celebra o nascimento de uma criança e parte para a realização do culto fúnebre
de um ente querido da comunidade acaba sofrendo um desgaste incomum a outros
profissionais. Também, outros profissionais dificilmente carregam a pressão
extra de terem a família “na vitrine”, diante dos olhos da congregação, sendo
julgada e continuamente avaliada, como ocorre com o ministro do evangelho. Em
sua dissertação de mestrado, a pesquisadora Roseli Margareta K. de Oliveira
constata que “no meio pastoral, ou religioso, em geral, há muito desgaste,
devido às demandas constantes pessoais e familiares relacionadas à congregação
que pastores lideram, havendo uma relação entre exaustão emocional, física e
espiritual”.13 Nesse sentido, Alistair Begg lembra ser comum no pastorado o
ministro retornar de eventos nos quais ele é usado para ajudar outros, mas não
encontrar nenhum recurso para sustentar a si mesmo.14 Outros elementos que
agravam essa condição incluem o fato de o pastor conviver com a solidão
ministerial, bem como as exigências de que ele possua mente culta, coração
inocente, capacidade de receber e absorver críticas e as pressões comuns à
posição de liderança. Enfim, todo esse conjunto faz com que o pastor seja um
dos candidatos ideais para o estresse, a fadiga e o burnout. Por exemplo,
alguém já considerou que em uma programação social da igreja, enquanto todos se
divertem e descansam, o pastor está atento a algum membro solitário ou
aconselhando quem precisa de ajuda? Todos se divertem; o pastor trabalha!
Conquanto algumas estatísticas apontem para o surgimento de um esforço tímido
de algumas igrejas no sentido de cuidarem melhor dos seus pastores, ainda permanecem
a sobrecarga, o estresse, as dificuldades financeiras e as pressões causadas
pelas expectativas exageradas dos membros da congregação em relação ao pastor e
sua família.15 Um exemplo a esse respeito pode ser visto no trabalho dos
pesquisadores do Francis Schaeffer Institute of Church Leadership Development,
o qual revela sinais alarmantes com respeito à saúde dos ministros de
denominações evangélicas nos Estados Unidos. Dentre os pastores entrevistados,
· 75% relataram estar “extremamente estressados”; · 90% trabalham entre 55 e 75
horas por semana; · 90% se sentem fatigados e exaustos ao final de cada semana;
· 70% afirmam não serem suficientemente pagos para realizar seu trabalho; · 40%
relataram sérios conflitos e tensões com algum membro da congregação ao menos
uma vez por mês.16 Nesse sentido, ainda que esclarecedoras, o leitor deve
considerar que as estatísticas, em geral, revelam apenas uma ponta do iceberg.
A verdadeira situação da classe pastoral pode ser bem pior do que esses dados
indicam. Em sua pesquisa sobre o tema, a Dra. Crystal M. Burnette conclui que,
“com base na literatura empírica, publicações populares e testemunhos pessoais,
o burnout é uma realidade para muitos pastores”.17 Essa afirmação pode ser
constatada observando-se o conjunto de títulos recentemente publicados sobre
esse assunto.18 O que essa literatura nem sempre aborda são os impactos do
burnout pastoral sobre a família e a vitalidade da congregação. A ênfase dessas
obras, em geral, diz respeito ao bem-estar do indivíduo e às recomendações
pessoais para prever os sintomas de burnout. São necessários estudos mais
específicos sobre causas e prevenções comunitárias no sentido de ajudar os
ministros do evangelho a continuarem espiritual, emocional e fisicamente
saudáveis no desempenho de seu trabalho. Também, ainda que importantes,
informações estatísticas sobre a condição emocional da cultura pastoral, sem o
devido processamento, servirão apenas para despertar a atenção da igreja em
relação a um perigo iminente. Se não forem analisados corretamente, dados e
números não explicarão por si mesmos as causas prováveis e nem estabelecerão as
precauções básicas na luta contra o quadro de burnout entre pastores. Por isso,
a próxima parte deste artigo se dedica a listar alguns fatores que, se não
tratados, acabam culminando na síndrome de burnout no ministério pastoral. Após
isso, será apresentada uma lista de sugestões de medidas a serem tomadas para
se evitar ou lutar contra esse fenômeno. Como um ensaio sempre intenta uma abordagem
representativa, mas limitada, os tópicos relacionados neste artigo podem ser
ampliados em estudos posteriores. 2. CAUSAS DE BURNOUT ENTRE PASTORES Por se
tratar de uma síndrome que envolve inúmeras variáveis, o diagnóstico do burnout
deve considerar a resistência de cada indivíduo para enfrentar pressões, mas
também necessita observar que o burnout se instala de maneira lenta, gradual e
progressiva no indivíduo. Nesse sentido, Álvarez Gallego e Fernández Ríos
apontam três momentos para a manifestação dessa síndrome. O primeiro momento é
considerado “estresse laboral”, quando as demandas do trabalho são maiores do
que os recursos materiais e humanos para realizá-lo. O que é característico
nessa fase é a percepção de uma sobrecarga de trabalho. O segundo período é
entendido como “sobre-esforço pessoal”, quando o profissional tenta se adaptar
às demandas e produzir uma resposta emocional ao desajuste percebido. Nesse
momento, é comum o indivíduo expressar sinais de fadiga, tensão, irritabilidade
e ansiedade. Por último, há o “enfrentamento defensivo”, no qual o sujeito
produz uma troca de atitudes com o objetivo de se defender das pressões
experimentadas. Isso acaba gerando comportamentos de distanciamento emocional,
isolamento, cinismo e rigidez.19 O progresso desses sintomas dificulta a
precisão do diagnóstico, retardando o tratamento. Além do mais, é comum
encontrar muitos casos nos quais a pessoa se nega a acreditar que o caso dela
seja, de fato, tão sério. Na literatura sobre o assunto é comum encontrar a
descrição de alguns sintomas já estabelecidos para identificar o progresso no
esgotamento que resulta na síndrome de burnout. Essa metodologia ajuda o leitor
a fazer uma autoanálise para avaliar sua verdadeira condição. No caso de
pastores, é triste constatar que nem todos possuem as informações ou a
disposição para atentar seriamente a esses sintomas. Isso acaba intensificando
um quadro que já é deveras preocupante. Estudiosos costumam olhar para os
sintomas do burnout como os meteorologistas analisam as mudanças climáticas ou
estabelecem previsões de tufões. Não há, nesse sentido, uma cartilha
cronológica a ser obedecida, mas o efeito cumulativo de alguns sintomas é
altamente revelador nesse processo. Um indício de um quadro que pode progredir
para o burnout é a fadiga extrema. Nesse
caso, a pessoa começa a se sentir cansada mais frequentemente do que as
atividades diárias justificariam. Outro sintoma nesse mesmo sentido é o
isolamento de outras pessoas. Na verdade, as pessoas em risco do burnout não
encontram energias mentais e nem disposição para manterem associação com
outros, pois elas estão utilizando todas as suas reservas para sustentarem a si
mesmas. Um terceiro elemento nessa lista é o aumento da impaciência. Ou seja, à
medida que a capacidade de realizar as atividades comuns diminui, a impaciência
aumenta. Nesse caso, é comum encontrar pessoas esgotadas se irritando com
outros sem razão alguma. Além do mais, elas comumente poderão culpar outros ao
redor por suas próprias falhas. Em quarto lugar, é comum que alguém próximo ao
burnout manifeste algumas limitações físicas e até enfermidades. Nesse caso,
dores de cabeça frequentes, baixa imunidade, problemas estomacais e intestinais
e outros podem ser comumente percebidos. Por último, há o sintoma da estagnação.
No início, essa estagnação ocorre de maneira frequente em casos isolados, com
acessos de ira ou frustrações, mas, com o passar do tempo, ela pode se
desenvolver em estagnação severa, na qual a pessoa interpreta tudo ao ser redor
de maneira negativa.20 Esses indícios podem variar segundo quem analisa o
assunto, mas, em geral, esses cinco listados acima são mantidos em comum acordo
pelos estudiosos. Uma vez esclarecidos os sintomas, o normal é que se caminhe
para a análise das causas. Como o objetivo deste artigo é considerar o burnout
entre pastores, serão ponderadas aqui duas causas pessoais, duas relacionais e
uma ministerial. A seleção desses fatores atende à frequência com a qual eles
aparecem nos estudos sobre esse assunto.21 Muitas vezes a causa do burnout no
ministério não possui relação direta com as atividades desempenhadas pelo
pastor, mas com sua própria condição física. Embora pregadores geralmente
ensinem que o ser humano é uma unidade espiritual e física, na prática eles
geralmente negligenciam o bem-estar desse último elemento. É comum encontrar,
na cultura pastoral, ministros que dormem muito pouco, se alimentam
descuidadamente e vivem vida sedentária. Alguns, em tom de brincadeira, se
esquecem da recomendação de Paulo sobre os proveitos da prática da piedade e se
lembram apenas da parte do versículo que diz: “o exercício físico para pouco é
proveitoso” (1Tm 4.8). Todavia, se o problema fosse causado apenas pela
ausência de atividades físicas, talvez a situação não fosse tão grave como se
apresenta. Há inúmeros pastores obesos, alguns que se alimentam mal e outros
que parecem não se importar com as condições de hipertensão, problemas
cardíacos ou alguma outra disfunção da saúde física. O que pode ser tardiamente
percebido é que a realidade psicossomática do ser humano faz com que a
qualidade do corpo acabe afetando o ânimo e o bem-estar da alma. Dessa maneira,
uma das causas do burnout entre pastores pode estar conectada com a maneira
como o ministro cuida do seu corpo. Logo, os check-ups médicos regulares podem
ser uma excelente maneira de avaliar a atenção que esses obreiros têm dado ao
templo do Espírito Santo, do qual eles são mordomos. Se, por um lado, a
condição do corpo pode afetar a alma, por outro lado, as enfermidades da alma acabam
resultando em consequências danosas para o organismo físico. Por essa razão,
outra causa pessoal do burnout entre os pastores pode estar conectada à
situação espiritual dos mesmos. Quando um obreiro do evangelho cultiva algum
“pecado secreto”, isso produz tamanha aridez que o fardo pode ser insuportável
e atinge diretamente o bem-estar físico do mesmo. Por essa razão, na
investigação das causas do burnout ninguém pode ignorar os efeitos resultantes
de algum pecado pessoal não confessado, especialmente no pastor. O sábio de
Provérbios afirma que “tortuoso é o caminho do homem carregado de culpa” (Pv
21.8). Um exemplo desse “caminho tortuoso” é apresentado por Davi no Salmo 32,
quando ele diz: “Enquanto calei os meus pecados, envelheceram os meus ossos pelos
meus constantes gemidos todo o dia” (Sl 32.3). Em outra ocasião, o mesmo Davi
confessa: “Não há parte sã na minha carne por causa da tua indignação; não há
saúde nos meus ossos por causa do meu pecado” (Sl 38.3). Novamente aqui, a
condição psicossomática do ser humano precisa ser considerada, pois assim como
o estado físico afeta a alma, a condição da alma também tem efeitos sobre o
corpo. Além do mais, em um interessante estudo com 270 ministros sobre esse
assunto, foi encontrado que a aridez espiritual é o indicador primário de
exaustão emocional, estresse e burnout entre pastores.22 Por isso, é importante
que, em uma anamnese séria, não se ignore o fator espiritual da pessoa, ou
seja, a possibilidade de pecado e culpa encobertos. E como acontece em relação
a outros assuntos, os pastores também não se encontram isentos nessa questão.
Há pastores que se encontram desprovidos de alegria no ministério porque a
“alma está cansada”! Muitos fazem o trabalho do Senhor gemendo porque cultivam
amarguras que nunca foram tratadas, impurezas que não foram confessadas e
abandonadas. Assim, o cansaço profissional começa com a fadiga espiritual!
Contudo, não são apenas elementos intra corpus que afetam a saúde do pastor,
mas o relacionamento interpessoal dos mesmos. Desse modo, a família e a igreja
local devem ser cuidadosamente apreciadas. Em seu livro Quem cuida de quem
cuida?, Wadislau Gomes aborda a importância dos relacionamentos eclesiásticos
para o ministro da Palavra. Naquela obra, Gomes afirma que “a comunhão com o
próximo é reflexo da glória da comunhão com Deus”.23 Relacionamentos domésticos
podem ser uma fonte de alegria e júbilo para os pastores, mas também uma causa
de estresse e intenso sofrimento. Certamente quando o que nos entristece está
tão próximo do nosso coração como acontece com o relacionamento conjugal ou a
relação com os filhos, a dor pode se tornar, em determinados momentos, quase
insuportável!24 Mas como vivemos em um mundo caído, onde os relacionamentos são
quebrados, o ministério pastoral não neutraliza as crises e angústias no
círculo doméstico do obreiro. Há pastores cujo casamento parece estar sempre
por um fio e nenhum dos cônjuges se interessa em buscar solução para o
crescente conflito. Isso se torna evidente pela observação empírica do número
de divórcios na cultura pastoral. Também os problemas com filhos são
estressantes para qualquer pai, mas especialmente para o pastor. Nessa lógica,
as expectativas da igreja, a pressão de ter que ensinar os princípios bíblicos
sobre criação de filhos e a sensação de ter falhado como pai podem ser
excruciantes! De fato, o peso esmagador dos problemas domésticos pode minar o
ânimo do ministro e esgotar sua alegria a ponto de ele se sentir sempre cansado
e desqualificado para o ministério da Palavra. Quando não encontra solução para
essas dificuldades, o pastor pode sucumbir à fadiga excessiva. Daí a síndrome
do burnout! Outra área relacional que pode gerar estresse e desfalecimento ao
obreiro diz respeito à igreja local, especialmente sua liderança. É verdade que
estudos estatísticos apontam para uma melhora nesse aspecto em algumas regiões
mais desenvolvidas. Nos últimos 20 anos, por exemplo, algumas congregações
parecem estar cuidando melhor de seus pastores.25 Todavia, algumas expectativas
irreais do rebanho continuam sendo fonte de desgaste de alguns ministros.
Geralmente a igreja não respeita feriados ou dias de descanso dos pastores.
Afinal, essas datas parecem ser ocasiões oportunas para se realizar atividades
comunitárias e momentos propícios para as ovelhas ligarem e discutirem assuntos
importantes com os seus pastores. No entanto, isso acaba revelando a
expectativa de que o ministro deva estar o tempo todo à disposição da igreja.
Além do mais, os conflitos entre pastores e outros membros da liderança local
já se revelaram tão comuns e traumáticos que se tornaram objeto de estudos acadêmicos
de muitos interessados.26 O pior é que devido à natureza carnal de alguns
desses embates, não há solução humana que seja fácil para os mesmos! Em suma,
aquele que deveria ser visto como um irmão colaborador é tratado como
“empregado” pela liderança local e sente seu trabalho cruelmente desvalorizado.
Ainda no que diz respeito ao relacionamento entre pastores e membros de
congregações locais está a maneira como os obreiros são maltratados
financeiramente. A esse respeito, algumas instituições parecem acreditar terem
recebido o “chamado divino” para manter seus pastores em uma condição de
pobreza e miséria econômica! Com isso, além de explorarem profissionalmente,
ainda se recusam a compensar devidamente. Se o pastor reclama, pode ser tachado
de agir como “gentio e publicano”, que se preocupa com o dia de amanhã! Nessa
relação, ele se mantém refém de uma condição que parece não ter saída. Com o
passar do tempo, o cansaço toma conta! Por último, outro fator causador da
síndrome do burnout entre ministros é o fato de que muitos no ministério
perderam o foco do que, de fato, constitui o chamado pastoral. Há pastores
realizando atividades que não deveriam estar na “descrição do cargo”. Por
exemplo, há ministros que se orgulham de ser excelentes “construtores de
templos” ao longo de sua história ministerial. Mas construção é algo que
qualquer mestre-de-obras pode supervisionar e uma boa Junta Diaconal ou
Comissão de Construção pode executar. Outros ainda se esmeram no trabalho
organizacional da documentação da igreja, da atualização das atas e do
cumprimento das decisões tomadas pelo Conselho local. Mas não deveriam essas
coisas ser tarefas do secretário do Conselho? Também há pastores que consomem o
tempo em atividades políticas da denominação, realizando planos, contatos,
conchavos, previsões, estatísticas e inúmeras outras atividades que não estão
diretamente ligadas ao ministério da Palavra. Para esses o poder da influência
política parece ser a única coisa que ainda faz o coração pulsar de entusiasmo
com algo relacionado ao seu desempenho na denominação. Todavia, quando se
analisa o exemplo dos apóstolos de Cristo em Atos, percebe-se que eles não
acharam razoável abandonar o ministério da Palavra de Deus para executar
qualquer outra coisa, ainda que fosse o cuidado das mesas para alimentar as
viúvas (cf. At 6.2). Paulo, por sua vez, quando comparou a excelência da
pregação, considerou até a ministração do sacramento do batismo como
secundária, pois ele disse: “Não me enviou Cristo para batizar, mas para pregar
o evangelho” (1Co 1.17). Tudo isso deixa claro que existem atividades primárias
e essenciais no ministério que, quando abandonadas em prol de tarefas
secundárias, roubam o foco do ministro e resultam em frustração, abatimento e
desencorajamento. Paulo ainda lembra que “o que se requer dos despenseiros é
que cada um deles seja encontrado fiel” (1Co 4.2), e isso certamente diz
respeito à vocação para a qual eles foram chamados. Concluindo, as causas da
síndrome do burnout entre pastores são multiformes, pois possuem variadas
fontes. Conquanto uma dessas possa ter influência maior em determinados casos,
o conjunto precisa, de fato, ser considerado ao se analisar os fatores que
podem resultar no desfalecimento do ministro do evangelho. 3. PRESCRIÇÕES
TERAPÊUTICAS Tendo sido analisados os estudos estatísticos e as prováveis
causas, é mister apontar alguns elementos prescritivos para aqueles que desejam
evitar ou se livrar do quadro clínico com burnout. Como a natureza deste artigo
não contempla a ciência médica nem os conhecimentos farmacológicos, as
recomendações aqui não incluirão o uso de medicamentos apropriados. Somente um
profissional da área médica estaria habilitado para orientações nesse sentido.
Portanto, o que compete a este artigo é listar outros fatores terapêuticos e
indicar que um profissional sério da área médica seja consultado para a
obtenção de produtos com a finalidade de se chegar ao tratamento necessário de
acordo com a síndrome em questão. Antes, porém, de listar sugestões e
orientações terapêuticas comuns àqueles que lutam em prol da manutenção da
vitalidade na lida ministerial, é fundamental que os pastores se disponham a
“pedir ajuda”. Isso parece ser extremamente difícil, pois admitir a
vulnerabilidade pessoal pode ser acompanhada de vergonha, sentimento de
frustração e exposição a julgamentos de terceiros. Quando um pastor pede ajuda
ele tem a sensação de estar desnudo! Fazer isso diante do Senhor é mais fácil,
mas diante dos olhos de outros? Realmente isso abala a honra de qualquer
indivíduo. Para muitos, o só pensar nesse processo é suficiente para eliminar
tal atitude da lista de possibilidades. Todavia, o desgaste e o burnout são a
falência da resistência pessoal e o orgulho acaba sendo um dos maiores
obstáculos para a melhora do quadro. A esse respeito, o Dr. Midgley comenta:
Algumas vezes podemos sentir estar em meio a uma neblina tão densa que
precisamos da ajuda de alguém “de fora” para nos ajudar . . . Encontrar alguém
que possa pregar as verdades do evangelho à nossa situação será um benefício
enorme; também, poderemos ainda ter que buscar, junto ao aconselhamento, ajuda
de algum profissional secular, bem como medicação.27 Além do mais, todo pastor
que deseja ser bíblico em seu comportamento, deverá se lembrar que o apóstolo
Paulo não se sentia envergonhado de pedir ajuda para suas necessidades. Várias
vezes ele escreveu a diferentes igrejas dizendo: “Irmãos, orai por nós” (cf.
1Ts 5.25; 1Co 1.10-11; Ef 6.19-20 e Cl 4.3). Dessa maneira, se o obreiro em
necessidade quiser manter a aparência de alguém totalmente competente e em
completo controle sobre suas fragilidades, ele nunca pedirá ajuda. No entanto,
se ele quiser ser visto como humano, carente da graça de Deus e dos
instrumentos que o Senhor dispôs em seu corpo, a Igreja, para socorrê-lo em
momentos de carência, ele pedirá ajuda! Com respeito às prescrições
terapêuticas, considerando que os pastores estão frequentemente alimentando outras
pessoas espiritualmente, é comum que muitos acabem negligenciando o seu próprio
desenvolvimento espiritual. Essa “familiaridade com o sagrado” faz com que os
pastores procurem nutrição na Palavra para as suas ovelhas, mas se esqueçam de
alimentar a si mesmos.28 Porém, ao caírem nessa armadilha, aumentam a
possibilidade do esgotamento, pois desprezam (ainda que inconscientemente) a
fonte essencial de vitalidade que os impulsionou a considerar o ministério da
Palavra e é poderosa para sustentá-los nessa mesma obra. A esse respeito, é
condição sine qua non que o pastor não abandone suas práticas devocionais. O
poder do Deus que vivifica os mortos (Rm 4.17) é primeiramente experimentado em
contato com a Palavra vivificadora, por meio da leitura e meditação da mesma. O
salmista confessa sobre esse assunto: “O que me consola na minha angústia é
isto: que a tua palavra me vivifica” (Sl 119.50). Também, lembrando a exortação
clássica do puritano Richard Baxter, é, pois, “necessário considerar o que
devemos ser e o que devemos fazer por nossas almas, antes de considerar o que
deve ser feito pelos outros”.29 Portanto, a primeira prescrição na luta contra
o burnout diz respeito à prática diária e sistemática do cultivo da piedade e
da comunhão com Deus. Não há nada mais cansativo e estressante do que tentar
exercer o ministério meramente na força da carne!30 A segunda prescrição
terapêutica para pastores contra o burnout é o simples fato de levarem suas
limitações a sério. Eis aqui um axioma a ser ponderado por qualquer
profissional: ninguém levará a sério suas limitações se você mesmo não o faz! O
bem-estar emocional e físico implica no fato de o indivíduo conhecer a si mesmo
e reconhecer que sua estrutura é pó (cf. Gn 2.7; Sl 90.3 e 103.14). Em outras
palavras, cada ser humano é limitado! Na
cultura pastoral é comum encontrar alguns que se orgulham de trabalhar
demasiadamente, quase não descansarem, se alimentarem mal e não praticarem
qualquer atividade física. Todavia, antes que motivo de orgulho, isso deveria
ser razão para vergonha, pois esses obreiros vivem de modo contrário ao que
leem na própria Bíblia. Os pastores deveriam considerar a exortação de Brian
Croft de que dormir faz bem à alma.31 A necessidade do sono, segundo
Christopher Ash, é “uma marca fundamental de nossa mortalidade”.32 Além do
mais, até o Verbo encarnado necessitou dormir (cf. Mc 4.38). Também é
necessário que o pastor reserve tempo apropriado para o seu descanso e suas
férias. Biblicamente falando, isso não é uma alternativa, mas um mandamento (cf.
Ex 20.8-11 e Dt 5.12-15). Diferentemente do que a cultura popular diz, o tempo
não é elástico e não é “a gente que o faz”. O tempo é um dom divino que não
pode ser diminuído nem acrescido e, se o pastor não possui noção de suas
limitações, acabará se encarregando de mais coisas do que tem tempo para
realizar. Isso gera frustrações, cobranças e desgaste. Ainda quanto à natureza
físico-material do indivíduo, é importante que o pastor exerça alguma atividade
física regularmente. Essa prática melhora a circulação sanguínea e fortalece o
sistema imunológico, bem como aumenta o metabolismo, ajuda na diminuição do
risco de doenças cardíacas e fortalece os ossos e a musculatura. Porém, a
atividade física ainda faz com que a pessoa “desligue” das preocupações profissionais
enquanto a realiza. Esse benefício terapêutico é extremamente útil na luta
contra o estresse, o desgaste e o burnout. Os pastores certamente teriam
proveito se corrigissem suas cosmovisões quanto à importância do exercício
físico. Outra prescrição terapêutica na luta contra o burnout é a
descentralização ministerial. Há pastores que centralizam todas as atividades
da igreja em si mesmos. Delegar parece ser uma dificuldade comum, especialmente
entre os pastores. Em uma de suas pesquisas sobre o assunto, Thom Rainer
identificou 12 razões pelas quais isso ocorre tão frequentemente, mas somente
quatro serão mencionadas neste artigo. Primeiro, há o fato de que alguns
líderes anexam seus valores às suas realizações. Com isso, se as atividades
ministeriais são feitas com excelência, o pastor se sente indispensável e
valorizado. O problema é que a manutenção desse sentimento acaba cobrando um
preço elevadíssimo: a saúde do pastor que tenta realizar mais do que consegue.
Ainda quanto à dificuldade de delegar, há alguns pastores que se vêm tão
consumidos na realização de suas tarefas que acreditam não poder dispensar
tempo para treinar outras pessoas. Na verdade, capacitar pessoas para executar
tarefas corretamente consome muito tempo e energia, e é até arriscado, pois não
possui garantias de que a pessoa irá se aplicar. Todavia, há também benefícios
nesse projeto! Além do mais, os pastores foram vocacionados para treinar outros
a desenvolverem seus dons corretamente em prol da saúde do Corpo de Cristo (cf.
Ef 4.8s e 1Co 12). Em terceiro lugar, há o fato de que o ser humano, em geral,
gosta de controle e se sente seguro quando o possui. Qualquer coisa que foge ao
controle acaba gerando ansiedade, estresse e perturbação. Por essa razão,
alguns que estão no ministério preferem não delegar. Mas talvez a razão
principal para a falta de delegação entre pastores seja a “autoidolatria”. A
esse respeito, parece não haver palavra melhor para descrever o sentimento de
gostar de se sentir útil e necessitado ou de ter medo de que outra pessoa possa
fazer o trabalho melhor e depois receba os elogios da congregação.33 Em suma, a
descentralização ministerial, ainda que penosa, é uma necessidade para quem
deseja se livrar do risco do burnout. A quarta prescrição em prol da sanidade
do ministro diz respeito ao cultivo de verdadeiras amizades. Há uma máxima
popular que diz que o pastorado é solitário, assim como todo cargo de
liderança, mas a verdade é que não precisa ser assim. O ensino bíblico de que
Deus criou o ser humano à sua imagem deveria ser o fundamento para nenhum
cristão se contentar com o isolamento e a solidão. Deus vive eternamente em
perfeita comunhão e amizade entre as pessoas da Trindade e, ao criar o ser
humano à sua imagem, ele o fez um ser social e com necessidades relacionais.
Nesse sentido, o homem carece do relacionamento com Deus, mas também com o seu
próximo, alguém que lhe seja idôneo, e por isso Deus criou a mulher (Gn
2.18-25). O ser humano necessita do cultivo de amizades para viver de maneira
saudável sobre a terra. A história bíblica está repleta de exemplos de pessoas
que desenvolveram relacionamentos amigáveis como meios de encorajarem uns aos
outros e permanecerem vigorosos no serviço do Senhor. O que dizer de Moisés e
Josué, Elias e Eliseu, Daniel e seus amigos, Paulo e Silas, Timóteo e Tito? Um
dos exemplos mais alentadores encontrados na Bíblia é a descrição da amizade
entre Davi e Jônatas. Em uma ocasião na qual Davi estava desalentado, Jônatas
saiu ao seu encontro e “lhe fortaleceu a confiança em Deus” (1Sm 23.16).
Amizades preciosas podem, de fato, ser valiosos tesouros em tempos de
abatimento. Como afirma o sábio de Provérbios, “como o óleo e o perfume alegram
o coração, assim, o amigo encontra doçura no conselho cordial” (Pv 27.9). Ainda
quanto a esse assunto, deveria ser considerada a importância da amizade do
pastor com sua esposa. Ambos foram unidos por Deus para se fortalecerem
mutuamente e a amizade conjugal pode ser grande fonte de bênção em prol da
condição saudável no ministério. Essa amizade, diferente de qualquer outra,
possui o benefício da união íntima, a qual, segundo o apóstolo Paulo, é
instrumento de Deus contra as ciladas do inimigo (cf. 1Co 7.1-6). Portanto,
nenhum obreiro deveria ignorar o cultivo da amizade com sua amiga da mocidade
(cf. Pv 2.17). Por último, o pastor que deseja se manter livre da síndrome de
burnout deve discernir corretamente entre sacrifício e esgotamento. Quando são
lidas algumas palavras de Jesus nos evangelhos é possível ter a compreensão de
que o Senhor exige, dos seus seguidores, o completo esgotamento, ou seja, o
verdadeiro burnout. Por exemplo, em Lucas 9.23-24 se lê: “Se alguém quer vir
após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me. Pois quem
quiser salvar a sua vida perdê-la-á; quem perder a vida por minha causa, esse a
salvará”. Outrossim, Paulo exortou os crentes a que se apresentassem a Deus
“por sacrifício vivo” (Rm 12.1). A resposta imediata a essas palavras pode ser
a disposição de se deixar consumir no serviço do Senhor. A esse respeito, duas
coisas básicas precisam ser consideradas. Primeiro, quando alguém se deixa
consumir, ele nunca o faz sozinho, mas acaba compartilhando os efeitos da sua
atitude com outras pessoas, quer seja a esposa, os filhos ou a própria igreja local.34
Em segundo lugar, há uma diferença entre o sacrifício verdadeiro e o burnout
desnecessário. O sacrifício a Deus é algo exigido pelo Evangelho e por aquele
que se entregou em prol do seu povo; o desgaste desnecessário é como um
autoflagelo. Nesse sentido, o dano causado a si mesmo não possui benefício
algum e também mutila a alegria e saúde de outros ao redor. Ademais, essa
atitude resulta em completa insegurança de outros quanto à sanidade de quem a
pratica. O sacrifício vivo é precioso aos olhos do Senhor, mas o mesmo Deus
sustenta e capacita os seus servos para essa devoção. Cristãos perseguidos ao
redor do mundo experimentam essa realidade de maneira mais radical do que
muitos pastores contemporâneos poderiam imaginar. Todavia, o desgaste desnecessário,
o burnout causado pela imprudência pessoal, não resulta em nenhum serviço de
louvor a Deus! Em resumo, há várias coisas a serem feitas por quem luta contra
o burnout. Nenhum ministro do Evangelho precisa sucumbir nessa batalha! Além
das prescrições terapêuticas acima, é possível listar inúmeras sugestões
práticas: manter um hobby pessoal, pedir que outra pessoa ajude no controle da
agenda, montar um programa de prevenção junto com outros membros da liderança e
assim por diante. Além do mais, pastores que passaram recentemente por essa
experiência têm sido amorosos em compartilhar seus casos em publicações de
teologia pastoral, a fim de ajudar outros colegas de ministério.
CONCLUSÃO
Estudos
evidenciam que os pastores se encontram no grupo de risco da Síndrome do
Burnout e isso está intimamente conectado à natureza e às exigências do
ministério pastoral. Todavia, a melhor maneira de prevenir esse fenômeno não é
a ignorância e nem a negação da realidade, mas o conhecimento de suas causas e
a mudança de comportamento que pode resultar em um processo terapeuticamente
saudável para os obreiros do Reino. Finalmente, é importante lembrar que o
burnout não é a pior coisa que pode acontecer a um pastor, pois Deus, em sua
sabedoria e graça, pode usar essa calamidade para ajudar seus servos a
corrigirem erros processuais no exercício do ministério.
VALDECI
SANTOS, O PASTOR E A SÍNDROME DE BURNOUT: UMA ABORDAGEM TEOLÓGICA-PASTORAL
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