sexta-feira, 29 de setembro de 2017

José Manoel da Conceição - O Padre Protestante




JOSÉ MANUEL DA CONCEIÇÃO: O PADRE PROTESTANTE.


Nascido em São Paulo, seis meses antes da Independência do Brasil (11/03/1822). Filho do português Manoel da Costa Santos e Cândida Flora de Oliveira Mascarenhas, neta de açoreanos vindos para o Brasil por volta de 1750.[ii]
José Manoel da Conceição mudou-se para Sorocaba em 1824 e foi educado pelo tio, o padre José Francisco de Mendonça. Começou a ler a Bíblia aos 18 anos. Alguns anos depois, fez amizade com uma família inglesa e várias famílias alemãs, todas protestantes, e ficou impressionado com a vida religiosa deles.
Naturalmente devoto, abraçou a carreira sacerdotal, tendo sido ordenado padre aos 22 anos, diácono em 29/09/1844 e presbítero em 29/06/1845.[iii] Exerceu o sacerdócio de 1844 a 1864, sempre na Província de São Paulo: Monte Mor, Piracicaba, Santa Bárbara, Taubaté, Sorocaba, Limeira, Ubatuba e Brotas. Os paroquianos gostavam muito dele. Por seu apego à Bíblia e por sua simpatia aos protestantes, em Limeira ganhou o curioso apelido de "O Padre Protestante". Em função de sua pregação, o bispo o remove de uma paróquia para outra tentando fazer com que tivesse pouca influência sobre os paroquianos.
Em outubro de 1863, o casal Blackford mudou-se para São Paulo, visitando os lugares por onde Francis Schineider havia ministrado. Foi nessa viagem que encontrou o padre católico, José Manoel da Conceição pela primeira vez. O rev. Alexandre L. Blackford o descreveu da seguinte forma: “Com cerca de 40 anos de idade, corpulento, bem feito e gordo, com semblante que revela bondade. Inteligência viva, cultivado, e com as maneiras de um perfeito cavalheiro”.[iv] Quando visitou Blackford pela primeira vez, 6 meses depois, Elizabeth lhe dirigiu a palavra sem qualquer cerimônia convidando-o a deixar o catolicismo e tornar-se protestante.[v]
Deixou o sacerdócio católico em 28 de setembro de 1864 atraído pela simplicidade do evangelho e pela Reforma Religiosa do Século XVI. Ao receber sua sentença de excomunhão escreveu o que se tornou uma das estacas da reforma evangélica no Brasil; completa separação da igreja Romana:

Por que não trabalhou pela reforma, sem deixar a Igreja Romana?... Quando um edifício em desmoronamento ameaça completa ruína, é impossível continuar a residir nele, mas sai-se dele, ao menos até que seja reconstruído sobre bases firmes, sob pena de ficar com ele sepultado... Do sentir a necessidade de uma reforma ao tornar-se o reformador mesmo, a diferença é a que vai do possível ao impossível. Sentir a necessidade da reforma, e por conseqüência fugir à ruína iminente, eis a parte do homem, que compara o Evangelho com a prática e os dogmas da Igreja Romana; porém, o efetuar eu a reforma, ficando no seio da Igreja, não cabia no possível.[vi]

Em Outubro de 1864, José Manoel da Conceição, viajou juntamente com o Rev. Blackford indo de São Paulo ao Rio, a fim de tornar-se membro da igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, sendo batizado por Blackford em 23/10/1864.
Antes de ser ordenado pastor evangélico em dezembro de 1865, Conceição dedicou-se à evangelização de seus amigos paroquianos em Brotas, interior de São Paulo. Graças ao seu testemunho e à sua pregação, os missionários pioneiros organizaram em Brotas a terceira Igreja Presbiteriana brasileira (13/11/1865). Segundo Richard Sturz, enquanto no Rio e em São Paulo, o trabalho crescia lentamente, em Brotas o presbiterianismo sacudia vilas, sítios e fazendas com conversões de famílias inteiras.[vii]
Sua ordenação aconteceu no domingo dia 17/12/1865,[viii] pelas mãos de Simonton, Blackford e Schneider. Conceição pregou pela manhã um sermão sobre Lucas 4.18-19 e foi ordenado à tarde. Sua sentença de excomunhão do catolicismo foi publicada em 29/12/1866. Ela foi publicada pelo JornalCorreio Paulistano[ix] em abril do ano seguinte e no mês seguinte publicou a resposta de Conceição: Sentença de Excomunhão e Sua Resposta, considerada a primeira obra apologética do protestantismo brasileiro.
A conversão de Conceição mudou por completo o quadro e o avanço da obra missionária protestante no Brasil. Blackford disse sobre ele:

Ele tem pregado várias vezes de modo bastante aceitável. Seus sermões são ricos da mais pura verdade do evangelho e revelam a profundidade do poder do pensamento e um conhecimento dos processos do coração humano que são muito agradáveis e encorajadores. Ele agora anda pela cidade sozinho sem hesitações e visita seus amigos. Escreve, traduz, corrige, transcreve e lê provas para a imprensa.
Está agora estudando um pouco de inglês e eu estou aprendendo português com ele, em comunicação diária. Ele é dócil como uma criança, naturalmente alegre e uma companhia das mais agradáveis. Se for dado a Deus conservar-lhe a vida e a saúde, não poderíamos ter encontrado um colaborador mais valioso. Seus talentos, superior caráter e ampla cultura podem, no curso de poucos anos, servir como a mais efetiva influência para a evangelização deste país.[x]

A dedicação dele a Jesus Cristo era muito grande, e o seu ministério itinerante era muito bem sucedido. Ele ardia de paixão pelas almas perdidas e pelos excluídos. Conceição tinha um temperamento muito especial. Não era capaz de ficar parado atrás de uma mesa, de gastar tempo com a organização eclesiástica, nem de assumir um pastorado fixo. Não se sentia atraído pelos grandes centros urbanos nem por pessoas bem vestidas. Era um incorrigível pregador de vila em vila. Hospedava-se em qualquer lugar e não se aproveitava de ninguém. Pregava, e desaparecia sem mais nem menos. Às vezes, deixava um bilhetinho, agradecendo a hospedagem ou dizendo que tinha ido embora. Nunca tinha um itinerário antecipadamente traçado. Viajava a pé distâncias enormes, às vezes de uma província para outra. Comia pouco e se contentava com qualquer comida. Sofria pressões do clero católico. Não poucas vezes fora expulso de uma vila, ameaçado de morte, chamado de apóstata, anticristo e até de pastor louco.
Conceição era um homem muito culto ao mesmo tempo dotado de uma simplicidade cativante. Sabia comunicar-se com os estrangeiros em suas próprias línguas, traduzia livros do inglês, do francês e do alemão, e tinha noções de medicina. Chegava a se vestir mal, roupa surrada demais. A herança que recebeu da família foi toda distribuída com obras de beneficência. Preocupava-se demais com os outros e muito pouco consigo mesmo. Embora desimpedido do voto do celibato por ter se desligado de Roma, o Padre José, como era chamado, nunca se casou, e sua pureza de vida sempre estava fora do alcance de qualquer maledicência. Não era servil aos missionários americanos, não obstante ser o único obreiro nacional no meio deles. Por causa de sua experiência na Igreja Católica, não escondia seus temores de uma igreja excessivamente organizada. Realizava um ministério diferente dos missionários, e o seu trabalho era o que crescia mais.
Visitou os EUA em 1867, empolgando muitos jovens pastores e seminaristas a quererem vir para o Brasil. Conceição sonhava com um movimento profundo de reforma nos sentimentos e experiência religiosa do povo, aliado ao esclarecimento bíblico, que tornasse possível a criação de um cristianismo brasileiro puro e evangélico, mas enraizado nas tradições e hábitos populares.
Gastou vinte anos como sacerdote católico (22 aos 42 anos) e oito anos como pastor protestante (43 aos 51 anos). Morreu no dia 25 de dezembro de 1873, dormindo, na Enfermaria Militar do Campinho, no Rio de Janeiro, depois de ser atendido por um médico e um farmacêutico e de pedir para ficar a sós com Deus. A princípio fora enterrado como indigente, mas em 1876 seus ossos foram transferidos para São Paulo. Está sepultado ao lado de Simonton, no Cemitério dos Protestantes, anexo ao Cemitério da Consolação, nas proximidades do Instituto Mackenzie, em São Paulo. Na lápide de Conceição está gravado: "Não me envergonho do Evangelho de Cristo".

Rev. Helio de Oliveira Silva, STM[i]

Retirado de http://revhelio.blogspot.com.br





[i] Professor de História da IPB no Seminário Presbiteriano Brasil Cenral (SPBC) em Goiânia. Mestre em Teologia Histórica pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper (CPPAJ) em São Paulo. Pastor-auxiliar da I. P. Jardim Goiás-Goiânia.
[ii] Boanerges Ribeiro, José Manoel da Conceição e a Reforma Evangélica, O Semeador, São Paulo, 1995, p. 7.
[iii] Ibid, p. 24.
[iv] Ibid, p. 33.
[v] Ibid, p.34. Cf.: Alderi S. Matos, Os Pioneiros, p. 40.
[vi] José Manoel da Conceição, Sentença de Excomunhão e Sua Resposta, 03/05/1867. O texto integral foi publicado no Correio Paulistano de 20/04/1867. Trecho extraído de: Reily, História Documental do Protestantismo no Brasil, p. 122. Veja a nota nº 231.
[vii] Richard J. Sturz, “A Implantação do Protestantismo na América Latina”. Em: Earle E. Cairns, O Cristianismo Através dos Séculos, Vida Nova, p. 369.
[viii] Essa é a razão porque na IPB o dia do pastor é comemorado nessa data.
[ix] Elben M. Lenz César, História da Evangelização do Brasil – Dos Jesuítas aos Neopentecostais, Ultimato, Viçosa, 2000, p.110.
[x] Alberto C.C. Ribeiro. Cartas às Missões Estrangeiras de Nova Iorque, p. 5. Trabalho não publicado em pdf eletrônico. Carta datada de 06/05/1865.

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